Observação e reflexão sobre patrimônios na capital paraense

Por Kelvyn Gomes*

Se você nunca o fez, permita-se ao menos uma vez sair andando por Belém, sozinho ou acompanhado. Sugiro que venha da Cidade Velha, no contra fluxo do trânsito. Mas saia sem pressa, munido de uma sombrinha, boné ou chapéu, com a pele besuntada de protetor solar. Se puder, evite o celular, apenas caminhe, observe a cidade, os prédios, as pessoas, os rios, os animais. Tome notas mentalmente, comente com alguém ou consigo mesmo. É isso, é um exercício! Um exercício de observação, de reflexão.

Conforme você caminha as casas mudam, as portas e janelas já não são tão grandes quanto no ponto de partida; elas são cada vez mais altas; o chão já não é mais de pedra; dependendo de que rota você tome os rios também vão ficando para trás, mudando de nome, deixam de ser rios, agora são canais. Definitivamente a cidade não é a mesma de 400 anos atrás, ela não é a mesma de ontem, como nós também não somos mais. Ainda assim ela está ali, pronta para ser visitada, revisitada, lida, experimentada.

Em algum momento… digo eu, em muitos momentos, você vai se deparar com um “espaço em branco”, ali jaz um gigante derrotado, sua fisionomia agora é apenas uma lembrança em meio a uma pilha de escombros. “Mais um casarão desaba na capital paraense”, noticiam os jornais, em seguida um especialista falando sobre preservar o patrimônio histórico. No mês seguinte outro, e depois outro, e outro, e mais um. Em nota, a prefeitura informa que tomará providências. Mas no mês seguinte um incêndio, e outro desabamento. Mas são prédios, velhos, antigos. Pior que não são! Antes fossem, derrubávamos e construíamos outros no lugar.

Esses prédios antigos compõem uma parte do patrimônio da cidade, da sociedade, eles são espaços de memórias, de experiências, de vivências, estão ali, de pé, resistindo, simbolicamente, como muitos de nós, pretos, pardos, indígenas, mulheres, e por mais quanto tempo? Quando um casarão cai, leva com ele parte da nossa identidade, parte da nossa história material. Ficam apenas memórias que, com o tempo, podem ser inclusive esquecidas. Se não os temos para nos fazer lembrar, quem o fará?

Mas e as pessoas, os fazeres, os saberes, os lugares? São também nosso patrimônio, cultural, imaterial. Eles estão e podem ser ativados nesses espaços, nesses lugares, a casa da minha avó, a escola em que meus pais estudaram, a fábrica de beneficiamento de castanha em que minha avó trabalhou. Nós, e os espaços, constituímos o patrimônio histórico da cidade. São as nossas vivências, presentes e passadas que moldam e dão significado a eles. Se os perdemos, deixamos morrer, também nos perdemos.

Mas nem todos caem, há aqueles que resistem, mas também aqueles que são eleitos. Porque alguns estão melhores que outros? Quais os critérios que definem aqueles que vivem e aqueles que morrem? Melhor, quem decide? Assim como com os casarões, os prédios públicos, as praças, os hábitos, essas questões norteiam o que acontece com as pessoas. E quando mesmo os eleitos parecem abandonados? Recorro aos exemplos mais clássicos.

“O Ver-o-Peso, o maior mercado a céu aberto da América Latina, está abandonado”, argumentam os feirantes; a turista reclama do mal cheiro e dos urubus; a intensa circulação de pedintes e pessoas em situação de rua incomoda os visitantes; a estrutura física do espaço oferece riscos à segurança de todos. A responsabilidade é de quem? Parece clichê, mas preciso dizer: é de todos nós! O poder público tem papel fundamental na manutenção da estrutura desses espaços e na educação daqueles que ali convivem; nós, enquanto munícipes, temos a importante função de cuidar e preservar.

 

O Portal Jambu é um espaço de jornalismo experimental com matérias produzidas por estudantes de graduação da Faculdade de Comunicação da UFPA sob a coordenação da Profa. Dra. Regina Lima e do jornalista Marcos Melo.

Foto de Capa: Rafael Arcanjo

*Sobre o autor – Kelvyn Gomes é formado em História pela Universidade Federal do Pará, onde também cursa o mestrado em História Social da Amazônia. Natural de Belém e morador da Vila da Barca, tem pesquisas relacionadas com os temas História, natureza, cidade, memória e espaços.

 

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