Belém 408 anos: uma linha do tempo sobre a formação da capital paraense

Da Redação | Foto de Capa: “The new Brazil” de  M. R. Wright

O aniversário de Belém, assim como o aniversário de outras capitais brasileiras, é uma data colonial, e representa a chegada dos invasores europeus nessas terras e a proclamação de sua “fundação”. Em relação à capital paraense, essa história colonial começa em 1615, quando a missão denominada “A Conquista do Pará” ou “do rio das Amazonas” teve seu início, devido ao temor dos portugueses de invasões ao território amazônico por outras coroas europeias, como a francesa que, três anos antes (1612), “fundou” a capital maranhense, São Luís. Partindo de lá, o capitão-mor português Francisco Caldeira Castelo Branco chegou no dia 12 de janeiro de 1616 às terras onde hoje se encontra Belém.

A primeira construção a ser erguida nas futuras terras belenenses foi o Forte do Presépio, uma fortificação de paliçada com o propósito de proteger a entrada da Amazônia da exploração de outras marinhas coloniais. Ao redor do forte, com o tempo, formou-se um pequeno povoado chamado pelos colonos portugueses de “Feliz Lusitânia”, que na atualidade é um complexo turístico no bairro da Cidade Velha, mas que foi o núcleo inicial que formou Belém.

Conhecida como Santa Maria do Grão-Pará ou Santa Maria de Belém do Grão-Pará, em 1621, a vila torna-se capital da Capitania do Grão-Pará, um pedaço do então Estado Colonial Português do Maranhão, uma unidade administrativa independente do Estado do Brasil e que se reportava diretamente à Coroa em Portugal. 29 anos depois, as primeiras ruas da futura capital paraense são construídas, todas transversais ao rio. 

A vila passa a se expandir em 1676, com a imigração de famílias agricultoras da região portuguesa dos Açores. Neste contexto de crescimento, alguns anos depois são erguidas outras duas fortificações para ajudar na defesa do povoado: a Fortaleza Nossa Senhora das Mercês da Barra e o Forte de São Pedro Nolasco, que diferentemente do Forte do Presépio, já não existem mais. 

Fortaleza da Barra por volta de 1910. Acervo do Instituto Moreira Salles.

A Fortaleza das Mercês tornou-se um depósito de inflamáveis durante a década de 1940, e devido a um curto circuito, o material explodiu e levou consigo a fortificação que ficava na Baía do Guajará. Já o Forte de São Pedro Nolasco ou Baluarte das Mercês, por ficar atrás do Complexo dos Mercedários, teve sua estrutura remanescente demolida nos tempos do Brasil Império para obras no porto de Belém e atualmente, suas ruínas são um anfiteatro no Complexo da Estação das Docas.

Belém de 1700 e a imagem da padroeira da cidade: Nossa Senhora de Nazaré

Em 1700, segundo a tradição mais conhecida, o Caboclo Plácido encontra a imagem de Nossa Senhora de Nazaré às margens do Igarapé Murucutu e a levou para sua casa, limpou e improvisou um pequeno altar para o culto. Misteriosamente, a imagem desaparecia e ele a encontrava no mesmo lugar onde havia a achado às margens do igarapé, e isso se repetia toda vez que ele a retirava de lá.Tomando isso como um sinal divino, Plácido ergueu uma pequena ermida no local e o milagre acabou por se espalhar pelos habitantes da região, que visitavam a capelinha para prestar suas homenagens à Virgem de Nazaré. 

73 anos depois, o Arcebispo de Belém da época colocou a capital paraense sob a proteção de Nossa Senhora, e no ano seguinte, aconteceu a primeira romaria do Círio de Nazaré, quando fiéis e autoridades acompanharam o trajeto da imagem do porto da cidade ao santuário. Ela havia sido enviada a Portugal para restauro, e retornou no segundo domingo de outubro do ano de 1774.

Cartaz do Círio de 1909. Acervo do Círio de Nazaré.

Fofoca colonial

No século seguinte, a elite belenense se vê obrigada a assinar o documento que oficializou a adesão da Província do Grão-Pará à Independência do Brasil devido a um blefe do comandante inglês John Grenfell, enviado de Dom Pedro I para resolver a situação provençal – Grenfell mentiu dizendo que havia uma esquadra de navios que estava aportada em Salinas, preparada para bloquear a saída dos barcos pelos portos de Belém, o que prejudicaria todo o comércio da cidade, que era feita pelos rios. Esta mesma elite descendia diretamente de portugueses e temia perder seus privilégios políticos por conta da Independência, mas graças ao blefe, em 15 de agosto de 1823, a Província do Grão-Pará aderiu oficialmente à Independência e se separou de Portugal.

A Revolta da Cabanagem

Os anos de 1801 à 1900 marcaram a história da capital, com uma revolta popular contrária à administração imperial e a uma urbanização higienista voltada totalmente para as elites, enquanto o povo convivia com a miséria e o descaso do governo. Foi a revolta da Cabanagem, um momento onde o povo depõe e mata Bernardo Lobo de Souza, o presidente da Província do Grão-Pará, e toma o poder.

Esta revolta durou cinco anos e foi uma das mais sangrentas da história do Brasil, com cerca de 30 mil mortos em Belém e no interior da província. A Cabanagem é chamada assim pela maioria dos revolucionários viverem em cabanas às margens do rio. Faziam parte dos cabanos os indígenas, negros, mestiços, comerciantes e fazendeiros. Os líderes cabanos foram caçados pelo exército imperial implacavelmente e, neste período, houve a matança de populações ribeirinhas, quilombolas, indígenas e de membros da elite local. 

A Belle Époque

Já nos anos finais do Século XIX, Belém passa pelo seu apogeu durante a chamada Belle Époque, devido à comercialização da borracha. Sob a administração de Antônio Lemos, o intendente de Belém de 1987 a 1911, a cidade passou por radicais transformações urbanas inspiradas pelas grandes cidades europeias. Expansão planejada, boulevards, ruas largas, bondinhos e palacetes foram feitos em Belém. Sempre pensando, claro, nas elites portuguesas e seus descendentes. Os governantes tentaram manter a população pobre, os negros e indígenas longe desses espaços novos e modernos. Lemos também adotou políticas higienistas como pôr pessoas em situação de rua em asilos no Bairro do Marco, para deixá-las afastadas das áreas nobres da capital.

O Ver-o-Peso, Cine Olympia, Palacete Faciola, Palacete Bolonha e outros tantos prédios que constituem a paisagem urbana do centro de Belém foram erguidos nessa época. Mas o chamado Ciclo da Borracha começou a sua derrocada em 1912, com a desvalorização da borracha. Ainda assim, sua marca permaneceu presente nesta paisagem, bem como a arborização com mangueiras, motivo pelo qual Belém é conhecida como “Cidade das Mangueiras”.

Cine Olympia em 1912. Acervo do Cine Olympia.

Os Casarões históricos de Belém

Ainda que a cidade seja rica em história, seus patrimônios físicos que começaram a ser erguidos em 1612, e continuaram sendo criados durante período colonial, a independência e os tempos da Belle Époque, se encontram hoje, vários deles, abandonados. É possível andar pela cidade e se deparar com casarões arquitetados nesses períodos que estão, atualmente, em ruínas. 

Kelvyn Gomes, pesquisador e historiador paraense, destaca que a maior parte dos casarões históricos de Belém são privados, e que os altos custos de manutenção dificultam a preservação. “Existem questões culturais, sociais, políticas e econômicas envolvidas na manutenção da memória, na preservação do patrimônio histórico, sobretudo esse patrimônio que é material. E no geral, esses prédios que tombam e que estão mais deteriorados são de propriedade privada, então eles não demandam do poder público para manutenção, eles demandam de iniciativa dos seus donos. Para você reformar um casarão desses, você precisa seguir uma série de regras que estão previstas pelo Instituto Histórico e Geográfico, existe uma burocracia por trás que encarece a restauração, a preservação”, explica.

O historiador ressalta também que a especulação imobiliária é um dos fatores que leva os casarões a sofrerem com a não preservação, por ocuparem espaços razoavelmente grandes em bairros do centro da cidade como Umarizal e Reduto. Por isso, seria mais fácil deixá-los ruir pois não se tem a obrigação de reconstruí-los no mesmo formato de antes, o que facilitaria a venda do terreno, por exemplo, às construtoras, visto que vendê-los com os casarões não seria viável pelo alto custo de manutenção dos mesmos.

É preciso pensar nos restauros desses casarões, mas não devemos esquecer que eles se enquadram em uma arquitetura colonial, eurocêntrica, voltada para as elites e que foram construídos visando também o apagamento das culturas indígenas e negras da cidade de Belém. 

O pesquisador Kelvyn Gomes esclarece que, muitas vezes, a presença das outras culturas que participaram da construção de Belém, e do Brasil, é apagada por conta das estruturas coloniais. “A colonização é um apagamento daquilo que é considerado inferior, e essas culturas eram consideradas pelos europeus como inferiores. Durante a formação do império brasileiro há a ideia de que se deve construir ‘uma identidade nacional’, assim se dá início a constituição do mito da democracia racial, mas que na verdade visava a integração de negros e indígenas à cultura europeia”, explica o historiador. 

Kelvyn Gomes argumenta ainda que a partir das décadas de 1970 e 1980, a história do Brasil passa a ser revisitada com um olhar mais contra-colonial, com o  intuito de mostrar que sempre houve outras culturas no Brasil e, em Belém, e não apenas a europeia.  

Cais do Ver-O-Peso. Foto: Tibor Jablonsky – Acervo dos Municípios Brasileiros do IBGE.

“Tudo depende de como a história vai ser contada, e como ela vai ser contada depende de quem está contando essa história. Por exemplo, quando contamos a história do Theatro da Paz sempre fazemos alusão aos grandes espetáculos, a questão da influência neoclássica na sua arquitetura, os bustos dos governadores, as referências às artes gregas e etc. Só que quando você se aprofunda nessa história, se formos localizar o período de construção do Theatro da Paz, ele está inserido ainda no período escravocrata, então é muito possível e atestado por algumas pesquisas que mão de obra escrava esteve presente na construção dele, mas isso é apagado da narrativa e vai ser revisionado muito posteriormente. Quando você entra no Theatro, e a gente pensa por essa perspectiva das outras culturas, vemos por exemplo, que o entalhamento da madeira das portas de acesso era uma arte de domínio das culturas indígenas locais, então os indígenas também participaram desse processo. Os ladrilhos, a decoração do piso, dizem alguns historiadores, foi colada com cola de gurijuba, com gordura de peixe, os desenhos, isso também são saberes de culturas indígenas, então a maneira, o saber fazer, a cultura imaterial, ela também está ou ela se materializa nessas estruturas arquitetônicas”, finaliza o historiador.

Apesar de ser uma data colonial, hoje ressignificamos esse dia, com o enaltecimento de nossas culturas herdadas pelos negros e indígenas, e realizamos vários eventos pela cidade visando mostrar o pluralismo cultural que temos por aqui.

Tags

Uma resposta

  1. Belém, nossa cidade tão linda, que precisamos aprender mais sobre ela, conhecer nossa história para valorizá-la ainda mais.
    Eu fiz um TCC sobre o Forte do Presépio e sempre gosto de ler sobre nossa linda cidade. Gostei demais da matéria. Parabéns!!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Veja também