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Por Kelvyn Gomes/Imagem: Reprodução Planta da Cidade de Belém, Arthur Caccovani

Nos últimos meses, com o aproximar da realização da COP 30, a conferência global que discute a crise causada pelas mudanças climáticas, temos percebido uma série de alterações em determinadas partes da cidade. Essas transformações são históricas. Antes, na virada do século XIX para o XX, a cidade também passou por um período de intensas transformações que se deram. Mas essas mudanças não são apenas físicas e na paisagem da cidade, às vezes elas passam até despercebidas e esquecidas no frenesi da cidade.

Mas, andar por Belém é viver um pouco de história a cada esquina, por trás de cada nome de rua, uma disputa por memória, poder e identidade. A capital é marcada por transformações urbanas e simbólicas desde o período colonial. A renomeação de ruas, por exemplo, acompanha a história política do país e reflete interesses que nem sempre passam pela escuta popular.

Conforme analisa Ernesto Cruz no clássico “Ruas de Belém”, essas mudanças, mais do que decisões neutras, são frutos da vontade política e da influência dos vereadores que, historicamente, operam tais alterações com pouca ou nenhuma consulta pública. Durante o Império e a República, foi comum que ruas ganhassem nomes em homenagem a moradores de destaque, líderes políticos ou religiosos, ou ainda para celebrar episódios históricos, reais ou interpretados conforme o regime vigente.

Um bom exemplo é a atual Rua 13 de Maio que, ao contrário do que muitos acreditam, não faz alusão a abolição da escravidão. Antes chamada Formosa e, anteriormente, “da Paixão”, teve seu nome alterado em 1840, por recomendação do Dr. Miranda à Câmara Municipal. A mudança visava comemorar a retomada de Belém pelas tropas imperiais durante a repressão à Cabanagem.

A escolha é carregada de ambivalência: nessa mesma rua vivia Eduardo Angelim, líder cabano e terceiro presidente do governo revolucionário. O novo nome não celebrava o morador ilustre, mas sim a derrota do movimento que ele liderava, revelando como as placas de rua também podem carregar camadas de apagamento histórico.

Já a Rua Municipalidade, uma exceção nesse cenário de mudanças, permanece com o mesmo nome desde sua inauguração, homenageando o próprio município de Belém. Sua permanência sinaliza certa estabilidade simbólica, rara na paisagem urbana da capital paraense.

A lista de ruas que passaram por renomeações é extensa. A João Alfredo, por exemplo, já foi conhecida como Rua dos Mercadores e, depois, da Cadeia. A atual 15 de Novembro teve vários nomes: Praia, Boa Vista e, mais tarde, Imperatriz. A Rua Padre Eutíquio foi anteriormente Rua São Matheus. A Djalma Dutra chamava-se Rua do Curro e a Pedro Álvares Cabral, Rua do Trilho.

Importantes avenidas também tiveram outros nomes antes de serem associadas a personalidades históricas. A Visconde de Sousa Franco já foi conhecida como Doca do Reduto; a Almirante Barroso, como Estrada de Bragança e Tito Franco; a Almirante Tamandaré era chamada de Arsenal, Mangabeiras e, posteriormente, Magalhães Barata. Já a Presidente Vargas era conhecida como Rua dos Mirandas e, mais tarde, 15 de Agosto. A Avenida José Malcher passou por nomes como Estrada de Pau d’Água e São Jerônimo. E a Senador Lemos foi, sucessivamente, Estrada da Olaria, de São João e Avenida Primeiro de Maio.

A alteração dos nomes das ruas toca diretamente na memória coletiva, nos afetos dos moradores e em questões identitárias profundas. Trocar um nome pode significar atualizar a história ou apagá-la, isso vai depender do contexto e dos interesses envolvidos. Em tempos em que os debates sobre memória e patrimônio ganham novas camadas, repensar essas escolhas, de forma participativa, se torna cada vez mais necessário. Afinal, as ruas falam, e o que elas dizem deve ecoar as vozes de quem as vive.

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