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De Kelvyn Gomes | Foto: Reprodução Festival Guarnicê de Cinema

Com mais de 20 anos de estrada, Zienhe Castro viveu a transição do cinema analógico para o digital e destaca uma nova revolução: a produção audiovisual com o smartphone.

Estudou no Centro de Letras e Artes da Universidade Federal do Pará na década de 1980. Mas somente em 2003, a paraense formou-se no curso de Tecnologia do Cinema na Universidade Estácio de Sá, no Rio de Janeiro, já que não haviam cursos de cinema na Amazônia. Mas sua relação com o cinema precedia sua formação universitária. Sua paixão pela arte começou ainda muito cedo quando ela frequentava as salas dos antigos cinemas de rua de Belém que viu desaparecerem ao longo do tempo. O que não sumiu junto com eles, foi o amor que a cineasta, produtora cultural e cinéfila tinha pela sétima arte.

Após a perda da irmã mais nova, Zienhe virou a caçula da família de mulheres e a “super protegida” pelas irmãs. Foram elas que a levaram para assistir aos primeiros filmes que viu na vida, nos cines Nazaré e Iracema, localizados na Avenida Nazaré, próximo de sua casa, e que ainda hoje ilustram suas memórias. Atravessada pela experiência de frequentar uma sala de cinema ainda muito criança, a cineasta foi impregnada pela fantasia do cinema e a possibilidade de construir mundos. Mas o primeiro filme produzido, roteirizado e dirigido por ela viria apenas em 2012.

Poster do Filme “Promessa em Azul e Branco”

O documentário “Ervas e Saberes da Floresta” retrata as memórias que Zienhe trazia dos banhos de descarrego e defumações que sua mãe fazia em casa ainda quando ela era criança. O filme surgiu, então, como um retorno ao passado para investigar os saberes relacionados ao uso das ervas, da pajelança, das benzedeiras e de todo um universo que permeia a identidade cultural amazônica. Mas até chegar a uma obra própria, ela precisou trilhar o percurso completo de uma produção.

Como boa aprendiz, começou observando e atuando em diferentes etapas de uma produção cinematográfica. Foi assistente de produção, de direção, cumprindo cada etapa até que se considerasse pronta para assumir a realização de um projeto. Zienhe também considera que esse processo foi reflexo do que ela considera como um “complexo de inferioridade”, que acredita comungar do mesmo sentimento de se achar incapaz de chegar nesse lugar, de assumir uma posição de diretora, de roteirista, por ser amazônida.

Depois de ervas e saberes, ela se aventurou em outros formatos. Após a primeira experiência solo, com o documentário, entendido, naquele momento, como um modelo mais fácil de ser desenvolvido, sentiu-se mais preparada e se lançou em uma produção ficcional. Um curta-metra sobre a infância da escritora paraense Eneida de Moraes. “Promessa em azul e branco”, adaptado por Adriano Barroso do conto homônimo escrito pela própria Eneida, foi quando Zienhe considera que realmente viveu a experiência de um set de filmagem completo.

Ao longo de sua vida como apaixonada pelo cinema, a produtora paraense conta que vivenciou e experimentou a transição do cinema analógico para o digital. Sua geração viveu a transição da película para o digital, das filmagens com super 8, super 16, para o digital. Os 50+, como define Zienhe, se aventuraram nas produções nesse período de transição e fizeram a história do cinema paraense. Ela, como cinéfila assumida, acompanhou tudo isso de perto, desde quando frequentava os cine-clubes de Belém, observando a mudança a partir do avanço da tecnologia no setor da produção audiovisual e cinematográfica.

“Essa tecnologia, ela faz tudo mudar, tudo é alterado a partir dessa tecnologia. E mais alterado ainda pela chegada do smartphone. Aí é a catapulta, mais radical digamos assim, porque hoje todo mundo tem uma camêra na mão. Literalmente voltamos pra era do Cinema Novo, né? Estamos em pleno século XXI e todo mundo tem uma ideia na cabeça e uma câmera na mão, que é o celular. Então essa é a grande diferença de como era… e era tudo muito caro, tudo muito pesado e tudo muito inviável… Então houve a democratização do acesso e essa democratização do acesso altera todo esse processo”, analisa Zienhe.

Cena do Filme “Promessa em Azul e Branco” – Amazônia Doc

Ainda que considere que hoje a produção cinematográfica seja mais acessível e democrática, possibilitando que mais pessoas possam se aventurar e se jogar no precipício da arte cinematográfica, pela sua complexidade e capacidade de instigar, a artista considera que ainda há um longo caminho, de batalhas, para se consolidar de fato uma cadeia produtiva do cinema paraense com dignidade e profissionalização. Esse enfrentamento está relacionado principalmente a ausência de políticas públicas voltadas ao incentivo e realização do cinema e do audiovisual. No entanto, apesar dos inúmeros desafios que considera ainda terem pela frente, ela acredita que o audiovisual e o cinema paraense tem uma sobrevida graças aos talentos da nova geração e de outras pessoas interessadas no setor.

Fundadora e curadora de festivais voltados à sétima arte e a produção de conteúdos relacionados principalmente à Amazônia. A também proprietária da “ZFilmes Cinema e Multimídia”, empresa fundada em 1988, vê na trajetória de formação técnica de novos artistas e entusiastas, um caminho possível para o futuro do cinema paraense. Zienhe também destaca o papel dos novos movimentos, dos coletivos de audiovisual trazendo novas perspectivas do coletivo absolvidos pela juventude que hoje está entrando no setor e fazendo uso político do cinema e do audiovisual.

“Eu vejo muitos jovens militando e utilizando também a ferramenta como ferramenta política. Usando esse termo política num movimento de cidadania, dessa ferramenta do cinema, do audiovisual que tá em tudo. A gente vive hoje a era da imagem, a era da informação. E tudo hoje é imagem, tudo passa por uma produção de conteúdo, nada escapa. Então eu acho que os jovens estão se apropriando muito disso, dessa linguagem e muitos talentos estão surgindo”, comemora a curadora e realizadora do festival Amazônia Doc.

Cena do Filme “Ervas e Saberes da Floresta” – Amazônia Doc

Com produções da e sobre a Amazônia, ela lança seu olhar sobre o fato de a COP 30 ter atraído, mais uma vez, a atenção do mundo para a região. A euforia sobre o território, suas culturas, práticas, saberes e hábitos está no centro do debate mundial e o audiovisual foi também responsável pela criação de imagens e imaginários sobre a floresta, as pessoas e as cidades amazônicas. Zienhe lembra que, ainda sob forte excitação euforia sobre a região deve respeitar e dialogar com aqueles que daqui são. Ela comenta também sobre a necessidade de espaço, de recursos, de oportunidade para os produtores locais para não operar mais um vez um extrativismo, agora, cultural.

“Acho que todos podem vir, todos são bem vindos, acho que a gente pode fazer grandes parcerias. E que a gente evite mais uma vez o extrativismo da Amazônia, e dessa vez o extrativismo cultural, porque eu acho que isso é muito nocivo, isso é muito predatório. Acho que é importante o diálogo, acho maravilhoso ter essa troca, esse intercâmbio. Mas eu acho que, se eu pudesse deixar uma mensagem: cheguem pisando suavemente, cheguem conversando com a gente, chegue pra ser parceiros”, alertou a produtora cultural.

Ainda não conhece o trabalho da Zienhe Castro? Corre no Amazônia Flix, uma plataforma de conteúdo audiovisual criada por ela em 2020 para difundir produções cinematográficas da pan-amazônia. E o melhor, totalmente gratuíta!

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