Por Kelvyn Gomes/ Foto: mídias sociais Armazém do Campo
Armazém do Campo, iniciativa do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra oferece, além de produtos orgânicos, experiências culinárias e culturais em Belém. O espaço inaugurado há menos de um ano, funciona em uma casa no bairro da Cremação de quarta a domingo.
Uma experiência na cidade
O Movimento dos Trabalhadores Sem Terra é reconhecido pelas lutas dos trabalhadores rurais pela conquista da reforma agrária e a distribuição justa da terra para que ela cumpra sua função social. O movimento criado oficialmente em 1984 é composto por posseiros, atingidos por barragens, migrantes, meeiros, parceiros, pequenos agricultores, trabalhadores rurais Sem Terra, desprovidos do seu direito de produzir alimentos e está presente em 24 estados brasileiros.
Criados em 2016 a partir das Feiras Estaduais e Nacionais da Reforma Agrária, a primeira loja foi inaugurada em São Paulo e replicada para o restante do país. No Pará, a primeira loja foi aberta em janeiro deste ano, como uma forma de disponibilizar produtos agroecológicos para o público que algumas vezes sequer conhece as atividades do movimento.
“O MST entendeu que a gente precisava ter um espaço que representasse, que fosse síntese do que a gente já vinha fazendo em nossas feiras estaduais, nas nossas feiras nacionais. Todo mundo que chegava nas nossas feiras também perguntava se poderia ter um movimento daqueles, um evento daqueles na cidade. Porque quando a feira acabava, acabava o lugar onde fosse referência disso”, contou B.Onça, dirigente do MST no Pará.
O sabor da terra e o tempo da natureza
A correria do dia a dia tem empurrado as pessoas para a facilidade dos produtos industrializados, ultraprocessados, aos fast-foods e comidas condimentadas. Alimentos ricos em sódio, conservantes, artificiais, que acabam prejudicando a saúde e sendo responsáveis pela proliferação de doenças cada vez mais comuns entre a população como a diabetes, hipertensão, obesidade e outras relacionadas a má alimentação e ao sedentarismo. Na contramão dessa realidade, a proposta do Armazém é oferecer uma outra experiência e possibilidade de cultura alimentar.
“Talvez as pessoas não tenham sido apresentadas pras comidas… Porque a alimentação também é socialmente construída, então a gente foi moldado a pensar que a alimentação é essa que o café já é doce, que o suco já é doce e que a gente precisa ter algumas gorduras. O problema é que a gente precisa diminuir os excessos, excessos que são prejudiciais”, explica B.Onça.
Foto: reprodução mídias sociais Armazém do Campo
Respeitando o tempo da natureza, a rede Armazém do Campo possibilita uma aproximação entre os moradores dos centros urbanos de produtos cultivados sem o uso de fertilizantes e outros agrotóxicos, oriundos de assentamentos e pequenos proprietários que refletem não apenas na saúde das pessoas, mas funciona como uma forma de educar.
“A gente acredita que o cardápio do Armazém tem que também educar as pessoas. Não adianta eu querer comer uma coisa agora, não estando na época. Se tem uma coisa fora de época, é porque aconteceu alguma coisa, né? Então a gente fala que o cardápio tem que refletir isso, né? Então, por exemplo, quando tá na época do Cupuaçu: a gente faz mais creme de Cupuaçu, a gente faz mais doce de Cupuaçu, a gente faz mais suco de Cupuaçu. Mas, vai acabar a época do Cupuaçu. Então o que a gente vai colocar no lugar? Então é isso, o cardápio ele deve formar as pessoas, porque é isso, as pessoas perderam esse vínculo com a natureza e esquecem do tempo dela, do tempo das coisas. É por isso que a gente não tem cardápio fixo”, ressalta B.
Fazer, comer e servir também são atos revolucionários
Além da oferta dos produtos, o movimento atua com ações e atividades de cunho político, cultural e educativo, como forma de discutir pautas importantes relacionadas às experiências vividas por grupos marginalizados como os trabalhadores sem terra. O grupo acredita que as ações promovidas são experiências culturais e que a alimentação perpassa pela cultura, pela arte, pela educação.
“A alimentação tem que ser um assunto de todos os trabalhadores e trabalhadoras. Por isso a mesa também é um front de batalha, porque as cozinheiras, quem serve, também são fazedores de cultura, porque eu acho que servir, cozinhar, é um ato revolucionário. Quem serve também faz arte, quem serve também educa, quem serve também canta. A gente não faz só uma coisa, quem colocou a gente pra fazer só uma coisa foi o modelo que a gente vive de sociedade. O que a gente tem que fazer é que os humanos sejam bons em muitas coisas e tenham o direito de se alimentar bem, tenham o direito de exercer a cultura, a arte, de fazer música, de fazer poesia, de tocar um instrumento, mas também de passar pela a mesa. A mesa também é uma experiência humana gigantesca”, considera a dirigente.
Conectando espaços
Foto: reprodução mídias sociais Armazém do Campo
A distância cada vez maior entre a cidade e o campo e o avanço dos modos de vida urbanos sobre essas áreas têm dificultado o acesso a esses produtos, o que coloca em risco a segurança alimentar de populações tradicionais e famílias em condições de vulnerabilidade econômica. Por isso, uma das premissas da rede é aproximar as pessoas dos produtos e produtores locais, fazendo circular a produção, gerando emprego e renda para esses grupos e necessitando de uma estrutura logística que põe em evidência o coletivismo.
“Os alimentos mais frescos a gente acaba trazendo dos assentamentos mais próximos a Belém, geralmente vem de Santa Bárbara, vem de Castanhal. Mas também a gente tem produtos que vêm de outras áreas do MST, de acampamentos e assentamentos que são do Sul e Sudeste do Pará. A gente traz o queijo de Marabá. Mas outros produtos que precisam ter envolvido uma agroindustrial, das cooperativas, a gente traz produtos do MST nacional. A gente tem, por exemplo, produtos de Minas, de assentamentos no Espírito Santo, temos produtos de São Paulo, do Rio de Janeiro, de todo o território nacional”, explicou a dirigente do MST no Estado.
Armazém do Campo em Belém
A primeira unidade do Armazém do Campo no Pará está localizada em Belém, na Rua dos Pariquis 3495, bairro da Cremação. Eles estão de portas abertas de quarta a domingo, e servem almoço de quinta a domingo.