Começa amanhã, 21, em Santarém Novo, município localizado no Nordeste Paraense, a festividade de Carimbó de São Benedito, com a “Alvorada”, às 5 da manhã, marcada pelo som do carimbó na porta do primeiro festeiro, sinalizando o início das celebrações. Ao longo de 11 noites, a música, a dança e os rituais religiosos se entrelaçam e refletem a história e a espiritualidade da comunidade local. O ponto alto da festividade é o “Levantamento do Mastro”, onde um cortejo de moradores, ao som do Carimbó, percorre as ruas da cidade até o barracão da Irmandade de Carimbó de São Benedito, responsável pela organização das festas.
Por Kelvyn Gomes/Imagem: Divulgação
A Festividade é uma das manifestações culturais mais antigas do Pará, unindo elementos da religiosidade católica com as tradições afro-indígenas da região.Essa celebração se perpetua há mais de 200 anos, mantendo viva a chama do Carimbó e de uma história marcada pela resistência e preservação da identidade cultural.
Guardiões da tradição
A Irmandade de São Benedito tem suas origens na época da escravidão e é a principal mantenedora da tradição. Desde o seu surgimento, no século XIX, a Irmandade tem sido um símbolo de resistência para a população negra e indígena da região. A celebração, que tem na devoção a São Benedito seu ponto central, incorpora influências africanas e indígenas, transformando o carimbó em uma linguagem única de expressões culturais e religiosas.
“A Irmandade de São Benedito foi, no início, uma associação de devotos que faziam promessas ao santo. E essa promessa se traduziu em grandes festas de carimbó. Nos dias de hoje, a Irmandade continua sendo um ponto de resistência cultural e religiosa, preservando a tradição do Carimbó Raiz, aquele verdadeiro Carimbó que é único aqui em Santarém Novo. A nossa missão é manter essa tradição viva, promover a festa e também garantir que as gerações mais novas aprendam a dançar o carimbó, que é um patrimônio cultural que precisamos preservar”, diz o presidente da Irmandade, Fernando Júnior, o Preto.
Para Preto, atual presidente da Irmandade, a festividade é mais do que uma simples festa. “É uma expressão da nossa identidade. O carimbó faz parte da nossa raiz, da nossa cultura. Ele é a nossa identidade”. Preto explica que a festa de São Benedito, além de ser uma grande celebração religiosa, também serve para reunir as famílias e fortalecer a comunidade. “Eu sou o presidente há três anos, e é uma grande honra. A irmandade sempre foi um espaço de resistência e de preservação da nossa cultura”, afirma.
Imagem: Divulgação
A relação da Irmandade com a Igreja Católica foi marcada por tensões ao longo dos anos. Durante o processo de romanização da Igreja no século XIX e, mais intensamente, nas décadas de 1970 e 1980, a Irmandade foi pressionada a abandonar práticas como a dança e a música do Carimbó, consideradas pelos clérigos como “coisas do demônio”. Apesar das adversidades, a comunidade permaneceu firme com as celebrações e a manutenção das tradições, mesmo quando estas eram marginalizadas pela Igreja.
“A importância da Irmandade é inexplicável. Aqui em Santarém Novo, ela não é só uma organização religiosa, mas também cultural. Quando começamos a luta para que o Carimbó fosse reconhecido como patrimônio imaterial, foi um marco muito importante para todos nós. A Irmandade tem sido um ponto de referência para a preservação da cultura, onde as gerações se encontram, dançam, cantam, e compartilham a sua história. Para nós, que estamos à frente da Irmandade, é um orgulho imenso poder representar essa tradição, que já é reconhecida em várias partes do Brasil. É um grande símbolo da resistência da nossa cultura amazônica e do nosso povo”, compartilha com emoção o presidente.
O festeiro e a devoção
Vitor Corrêa, um dos “festeiros” da comunidade, compartilha como a festividade tem grande significado pessoal e familiar. “O carimbó é parte da minha vida desde criança. Minha mãe era carimbozeira e me passou essa tradição. Como festeiro, você é o responsável por organizar a festa, mas o mais importante é reunir as famílias e celebrar a nossa cultura”, explica Vitor, que este ano será responsável pela última noite de festa, no dia 31 de dezembro.
O “festeiro”, um cargo de grande importância na organização da festividade, é escolhido através de sorteio entre os membros da Irmandade. Cada noite de carimbó é uma festa dedicada a São Benedito, uma forma de fortalecer os laços comunitários e manter a tradição viva. “Ser festeiro é um grande privilégio e também uma grande responsabilidade. Eu fui sorteado para ser o festeiro no dia 31 de dezembro, que é a última festa. O sorteio é uma tradição muito importante dentro da Irmandade, porque ele define quem vai organizar as festas, desde a Alvorada até a grande celebração da noite. Para ser um festeiro, você não só organiza a festa como também garante que todas as obrigações sejam cumpridas: oferecer comida e bebida para todos, e garantir que a festa aconteça de acordo com a tradição. Para nós, é um momento de reunir a comunidade, de celebrar a nossa cultura e, ao mesmo tempo, de honrar o santo”, conta Vitor sobre o papel dos festeiros na celebração.
A importância da festividade para a comunidade de Santarém Novo é imensurável. Para os moradores, o Carimbó de São Benedito é mais que uma celebração religiosa, representa um contato direto com a história, com os ancestrais, e uma forma de resistência cultural. “A festividade tem um significado imenso para a nossa comunidade. Ela é a nossa identidade, nossa raiz. O Carimbó de São Benedito é algo que nos conecta com nossa história, com nossa ancestralidade. Além de ser uma grande celebração religiosa, ela tem uma forte conexão com as nossas origens, com a luta pela sobrevivência da cultura negra e indígena na Amazônia. Para nós, é também uma grande reunião de famílias, onde todos se sentem bem, livres, e unidos pela música, pela dança, pela comida, e pela bebida. Para muitos, a festa é uma forma de agradecer uma graça recebida, de pagar uma promessa, e para outros, é uma verdadeira celebração da cultura. O Carimbó faz parte da nossa vida e é essencial para manter nossa identidade como povo”, afirma o festeiro.
Parabéns pelo texto!