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Em entrevista ao Portal Jambu, os teatrólogos Edgar Castro e Alberto Silva Neto, do projeto “Escambo”, que acontece em Belém durante o mês de março, falam da reunião que vão fazer com companhias de diferentes regiões do país, para compartilhar suas trajetórias e fazer reflexões sobre os desafios do teatro na Amazônia.

Por Kelvyn Gomes/Imganes: Keiny Andrade – espetáculo “Com os bolsos cheios de pão”

Um horizonte com raízes profundas na Amazônia

Edgar Castro, ator, diretor e formador teatral nascido em Belém do Pará, traça um percurso que vai do teatro paraense à cena paulistana. “Minha experiência em Belém moldou minhas raízes mais profundas. Conviver com artistas como Luiz Otávio Barata e Geraldo Salles foi essencial para minha formação. Mas não foi apenas a cena teatral que me influenciou: minha avó paterna, em Icoaraci, me apresentou ao universo das pastorinhas, que me conectou a uma tradição popular muito forte. São Paulo me deu a possibilidade de expandir essa base, aprendendo com a diversidade de estéticas e com o teatro como ato político. Lá, o aprendizado do ofício de ator se dá de maneira ainda mais intensa, como um agente político comprometido com as demandas do seu tempo”, conta o ator, rememorando sua trajetória artística.

Outro paraense na cena, Alberto Silva Neto, ator, encenador, professor de teatro e fundador do Grupo Usina, destaca o percurso do grupo que faz parte. “Acredito que todo teatro é político, mas nosso olhar hoje se volta para uma reflexão mais profunda sobre os modos de vida na Amazônia. Começamos com uma postura de engajamento mais direto, mas ao longo das últimas duas décadas esse engajamento se transformou. Hoje, a gente busca olhar para a floresta e para as populações que nela vivem, entender as histórias que estão sendo contadas e, principalmente, as que ainda precisam ser ouvidas. Nossos espetáculos mais recentes têm sido guiados por essa busca”, explica o teatrólogo.

Suas reflexões estão presentes nos trabalhos mais recentes dos artistas. Edgar lembra do espetáculo “Dezuó – Breviário das Águas”, que aborda os impactos das hidrelétricas na Amazônia. Para ele, “não basta apenas a obra artística para que o teatro cumpra sua função de debate social. É necessário um ativismo onde a escuta seja a condição primeira. O teatro pode ser uma ferramenta de discussão, mas só se vier acompanhado de presença e envolvimento real nas causas que aborda”.

Já Alberto, comenta sobre “MOMO”, trabalho autobiográfico que transita entre teatro e relato de vida e que ele encenará durante o projeto escambo: “Esse tipo de teatro, que transborda os limites da cena convencional, nos coloca em um lugar de vulnerabilidade e, ao mesmo tempo, de profunda conexão com o público. É uma experiência intensa e transformadora, tanto para quem faz quanto para quem assiste”, exalta o ator.

Formação e Experimentação Cênica

Idealizador do projeto Escambo, Edgar considera que formar um artista é um processo que vai além da técnica. “A arte é a elaboração da tua presença no mundo. A formação passa por leitura de mundo e pelo domínio das matérias-primas do teatro, como tempo e espaço. Não basta apenas técnica, é preciso iluminar as contradições do mundo. Desde as primeiras experiências em Belém, aprendi que o teatro é uma extensão de quem somos. Quando me aproximei do Teatro de Grupo paulista, isso ficou ainda mais evidente. No meu trabalho pedagógico, busco sempre trazer essa dimensão: formar um artista não é apenas ensiná-lo a atuar, mas fazê-lo compreender o mundo e a si mesmo dentro dele”, aponta Edgar que também atua como professor de teatro.

Essa experiência também é uma realidade na trajetória do Usina, que ao longo dos anos transitou por diferentes experimentações estéticas. “O Usina teve fases muito distintas, passando pelo teatro de formas animadas e pelas novas tecnologias. Mas hoje buscamos uma simplicidade. Nossa pesquisa atual valoriza a presença do ator, com os demais elementos sendo apenas coadjuvantes. Não porque não valorizamos outros elementos, mas porque queremos explorar ao máximo o que um corpo em cena pode dizer por si só. O teatro, na sua essência, é o encontro humano mais direto possível, e é isso que temos buscado”, explica Alberto.

A essência do teatro (e da vida) são nossas trocas

Foi o desejo de “conectar” que levou Edgar a criar, junto com Donizeti Mazonas, o projeto Escambo. “O Brasil é um território imenso, com muitas estradas pouco frequentadas. Queremos criar uma rede de permutas, interlocuções artísticas e cidadãs. A nossa alma, forjada no teatro de grupo e na vivência coletiva, nos indicou que esse poderia ser um bom caminho a ser trilhado. Precisamos abrir diálogos entre diferentes regiões, compartilhar experiências e fortalecer nossa atuação”, afirma Edgar sobre o projeto e seus objetivos.

E o Grupo Usina é um dos grupos parceiros desse projeto, escolhido para representar Belém nesta itinerância. “Somos parentes em diferentes geografias e realidades poéticas, econômicas e sociais. O Escambo é uma oportunidade de dialogar e fortalecer nosso enfrentamento das questões que nos interessam. É um movimento de resistência, mas também de afeto e de partilha”, diz Alberto.

Essa perspectiva de troca não é novidade para o Usina. Em 2019, o grupo participou da Caravana Mambembarca, levando teatro para comunidades ribeirinhas do Pará. “Foi uma experiência extraordinária. Apresentamos histórias inspiradas nas narrativas dos povos amazônicos e, depois dos espetáculos, promovíamos conversas com o público. As trocas eram profundas e verdadeiras. Muitas vezes, as pessoas se reconheciam nas histórias que contávamos e, ao mesmo tempo, nos contavam outras histórias que desconhecíamos. É uma experiência de escuta e de entrega”, recorda Alberto.

Confluências em cena

Fazer teatro na Amazônia é um ato de resistência. “A epígrafe do Escambo diz: O teatro é uma trincheira indestrutível. Essa atitude de resiliência é fundamental diante das dificuldades de se produzir arte no Brasil, especialmente na região Norte, que é preterida em recursos e políticas culturais”, lembra Alberto. “O que enfrentamos é um dragão, um monstro que tenta nos calar. Falta visibilidade, faltam políticas públicas eficazes, falta uma percepção do papel essencial da arte. Mas seguimos, porque o teatro é mais forte do que tudo isso”, defende o ator.

Já Edgar, paraense radicado em São Paulo há 20 anos, reforça a necessidade de um olhar mais atento para as desigualdades no acesso à cultura. “A região Norte é uma das mais ricas em expressões culturais, mas também uma das mais negligenciadas. Precisamos lutar para que nossa produção não seja invisibilizada”, defende ele.

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