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Hoje, 25 de Dezembro, Bragança, no Nordeste paraense, amanheceu em festa. Saem pelas ruas os cortejos da Marujada de São Benedito. Mas, São Benedito, um santo conhecido por sua ligação com a comida e a cura, não é apenas um ícone religioso na pérola do Caeté, o santo é também um símbolo da rica diversidade de saberes que atravessa gerações. A devoção, preservada ao longo dos séculos, se conecta intimamente com práticas alimentares e educativas importantíssimas para a identidade local.

Para o cientista da religião e mestre em educação, Nalton Caminha, essas tradições não só refletem a fé da comunidade bragantina, mas também uma poderosa forma de aprendizado que acontece nas cozinhas e mesa beneditinas da cidade. “São Benedito é um mediador entre a saúde, a doença e a cura. Sua ligação com a comida, como remédio, é um ponto crucial da devoção que ressurge tanto na Itália renascentista quanto na Amazônia contemporânea”, explica o Nalton, que tem pesquisado a relação entre a festividade de São Benedito e as práticas alimentares em Bragança.

Por Kelvyn Gomes/Imagem: Marcelo Lelis via Agência Pará

Expressão de  identidade e pertencimento 

A Marujada, uma das manifestações culturais mais marcantes da cidade, é a principal celebração em honra a São Benedito. Recentemente registrada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), a festa tem sua origem nas “Esmolações”, uma arrecadação de donativos que antecede a celebração principal. “A festa começa entre abril e maio, com as Esmolações, e culmina em dezembro com a Marujada”, conta o pesquisador. Durante essa celebração, a cidade vive os festejos com música, dança e comidas que fazem parte do legado cultural de Bragança.

Longe de ser apenas uma festa religiosa, a Marujada é também uma forma de expressão da identidade e do pertencimento dos moradores do lugar. Para o pesquisador, a tradição beneditina em Bragança se fortalece pela “beneditinidade”, um conceito que ele desenvolveu para descrever a forma específica de devoção e cultura local. “A beneditinidade é a maneira, única, de viver a devoção a São Benedito em Bragança, mesclando história, alimentação e educação em uma tradição que vem desde o período colonial”.

O santo cozinheiro e a comida como cura

Para Nalton, que também atua como professor da Educação Básica, um dos aspectos mais instigantes da festa é a relação entre comida e educação nas cozinhas bragantinas. Na cidade da região do salgado paraense, as cozinhas que preparam os alimentos para as festividades de São Benedito não são apenas locais de preparo culinário, mas verdadeiros espaços de educação, aprendizagem e manutenção das identidades. “As cozinhas beneditinas são espaços de aprendizagem vivencial. A educação aqui não se dá em uma sala de aula tradicional, mas pela experiência direta com os alimentos”, explica o professor e pesquisador.

A experiência olfativa e gustativa da comida, a partir de ingredientes locais como farinha de mandioca, feijão, castanha-do-pará e peixe, é um dos pilares dessa educação. Esses ingredientes, além de representarem a cultura da região litorânea do estado, são parte de um saber culinário transmitido de geração em geração. “Comer em Bragança é entender um processo coletivo que vai além da alimentação. É também um aprendizado sobre os rituais, os gestos e a simbologia por trás de cada prato”, afirma Nalton Caminha, mestre em educação pela Universidade do Estado do Pará (UEPA).

Além da devoção

Os saberes que emergem nas cozinhas de São Benedito são diversos e vão além da culinária. Para o pesquisador, existem muitas camadas que se relacionam diretamente com a comida. Desde saberes relacionados a cozinha beneditina como um espaço de ciência e afetividade. “O tempo dedicado ao preparo dos pratos, os cálculos e as medidas necessárias para criar as receitas tradicionais exigem atenção e cuidado. Há uma verdadeira construção de identidade e memória através da comida”, observa o pesquisador.

Na tradição bragantina a comida de São Benedito é vista como um remédio, conectando saúde, doença e cura como pilares da devoção ao santo, que é invocado não só para abençoar os devotos, mas também para curar doenças físicas e espirituais. Comer, neste sentido, é uma experiência sensorial que envolve mais do que o gosto. A apresentação dos pratos, a música, a dança e até a decoração da mesa fazem parte de um saber estético que transforma o ritual da alimentação em uma experiência cultural rica.

Esses aspectos somados nas festas de São Benedito carregam significados religiosos profundos. Os gestos, os rituais e as hierarquias à mesa, por exemplo, refletem uma espiritualidade que vai além do ato de comer, com forte presença de sociabilidade e relações comunitárias em Bragança. “Esses momentos de partilha são educativos, pois ensinam a convivência e o respeito pelas tradições”, afirma Nalton.

Marcelo Lelis via Agência Pará

Em Bragança, a comida e a educação são inseparáveis. Para o pesquisador, as práticas alimentares-educativas relacionadas à festividade de São Benedito não são apenas ritualísticas, mas também formativas para a comunidade que diferencia a comida “comum”, definida pelos moradores locais, como a comida cotidiana, que é integrada à vida diária. “A comida é um elemento de pertencimento e identidade. Ela é a base de toda a sociabilidade em Bragança”, afirma o cientista da religião.

Para Nalton, Bragança se destaca por manter viva a beneditinidade, uma ligação entre a tradição devocional e a cultura alimentar que, ao longo do tempo, continua a ensinar não apenas sobre comida, mas sobre a própria forma de viver e se relacionar com o mundo transformando a celebração de São Benedito vai muito além de uma festividade religiosa. É uma manifestação viva dos saberes culinários, educativos e espirituais que atravessam gerações. A Marujada e a prática das cozinhas beneditinas não apenas preservam a história local, mas são também um poderoso veículo de aprendizado para a comunidade. Ao juntar fé, comida e educação, a cidade de Bragança continua a escrever sua própria história de identidade e tradição, transmitindo seus saberes às futuras gerações.

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