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Por Raquel Ferreira – Agência Monotour/Foto: Divulgação Agência Pará

É possível que uma prática que tenha como principal função a de proporcionar lazer e bem-estar, tenha um lado negativo? Infelizmente, sim. O turismo pode causar inúmeros e preocupantes impactos negativos e muita gente pode não estar pronta para esta conversa.

Atualmente sentimos Belém sob os holofotes do mundo devido à escolha da capital paraense como sede da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP 30), que ocorrerá em novembro de 2025. Temos a sensação de que uma “venda” foi retirada dos olhos, em especial do turista brasileiro, que agora, pela repercussão midiática do Pará, passam a nos inserir em seus destinos de viagem,seja de férias ou de negócios. O Pará tá na moda!

Seria hipocrisia dizer que não há pontos positivos nessa repercussão: nossa rica cultura, gastronomia, saberes e belezas naturais são indiscutivelmente atraentes e encantadores, o que muito nos envaidece e movimenta nossa economia. Porém é preciso atentar para os danos que um descontrolado fluxo de pessoas pode trazer a destinos turísticos, principalmente se não houver planejamento e controle dessa demanda. 

O turismo nem sempre causa impactos positivos no meio ambiente, na cultura e na economia de uma região, e é a romantização de que o aumento de turistas e visitantes é sinônimo de progresso e desenvolvimento, uma das preocupações que vivenciamos ao acompanhar o atual “boom” no interesse pelo destino Pará.

Somos Amazônia e são as práticas de sustentabilidade aliadas ao fazer turístico que deveriam nortear as práticas e prestações de serviços turísticos em nossa região, porém, não é o que estamos acompanhando.

Diante de todos os sinais que o planeta a cada ano nos mostra, é impensável que se considere o chamado “turismo de massa” como positivo e ainda praticável. Impossível acreditar que é viável colocar mais de 80 pessoas em uma caminhada na floresta, em trilhas que na maioria das vezes foram criadas pelos moradores e comunitários para coleta de frutos e insumos e não perceber que animais, plantas e pessoas estão sendo literalmente atropelados pelo turismo predatório; um turismo que nasceu no colo do capitalismo e tem como característica o excesso de visitantes em um destino, que tem sua capacidade de atendimento extrapolada e sufocada, causando impactos ambientais, sociais e culturais.

Lixo,perturbação da fauna local,mudança na paisagem natural pela presença humana descontrolada, apropriação de territórios e especulação imobiliária com consequente aumento do custo de vida na região, mudança de hábitos culturais,consumo excessivo de água e energia em localidades que possuem escassez cotidiana destes recursos,perda da identidade/autenticidade cultural devido a necessidade de atender as expectativas dos turistas, são alguns dos “frutos” do turismo sem responsabilidade sócio ambiental.

Para reduzir esses impactos é necessário adotar estratégias de turismo sustentável e aqui o papel do contratante é determinante. É claro que o viajante não pensa nos problemas e impactos negativos que seu passeio/viagem pode acarretar a um destino, porém a escolha de quem serão seus prestadores de serviços pode ser determinante para uma viagem efetivamente positiva e deveria ser um dos fatores a ser pensados no momento do planejamento de uma viagem, afinal, quando saímos de nossas casas passamos a ser visitantes e nosso comportamento impacta diretamente a vida de quem nos recebe.

Para compreender melhor este cenário, basta olharmos para o atual principal ponto turístico de Belém,a Ilha do Combu, que atrai desde personalidades artísticas e políticas à centenas de visitantes diariamente para a ilha, sendo nos fins de semana o fluxo muito maior.

Imensas e/ou velozes embarcações percorrem furos e igarapés sem controle – ou preocupação – com limites de velocidade, o que provoca, além da aceleração da erosão das encostas, uma visível e crescente gentrificação dos “corredores turísticos”: furo da paciência, igarapé do combu e a chamada prainha do combu, locais onde visivelmente a população local está cada vez mais sendo afastada. Moradores que ainda possuem canoas e barcos de pequeno porte para sua locomoção desviam das “rotas dos turistas” para evitar acidentes e por não sentirem que fazem parte daquele local, como é o caso da prainha do Combu que era um local de lazer da comunidade que hoje busca outras alternativas para o lazer, pois desde a pandemia o local é ponto badalado e sem espaço para a comunidade. 

Descartáveis,latas,garrafas,balões de festa e tudo o que se pode imaginar é lançado nas águas sem a menor preocupação. Sem contar a poluição sonora em uma região que ainda tinha a prática daquele cochilo depois do almoço, hoje o silêncio aos fins de semana é praticamente impossível na ilha. Sem contar o desrespeito que muitos moradores já nos relataram sobre o comportamento dentro das embarcações festivas, antes víamos crianças e idosos em frente às suas casas, atualmente o morador é “tocado” para dentro de casa para que os turistas aproveitem seu dia de lazer sem a menor noção do incômodo que estão causando. Mudanças de hábitos em detrimento do lazer de quem não vive naquela região não pode ser visto como algo positivo.

O morador também tem mudado seus hábitos,costumes e meios de interação com a natureza em prol do turismo de massa. Hoje é raro encontrar no Combu canoas e os chamamos pô-pô-pô, embarcação lentas e de baixo impacto mas que passaram a não suprir a necessidade do transporte dos visitantes aos restaurantes,quanto mais rápido, mais viagens são feitas, mais rentável é o dia e assim a aquisição das lanchas chamadas voadeiras, mudou a forma de transporte na ilha e que nos mostra uma paisagem totalmente afetada pela erosão não natural em um curto espaço de tempo. 

Mas então é impossível pensar em turismo no Combu? Só existem práticas ruins de interação com a região das ilhas no entorno de Belém? Felizmente não, é possível sim fazer um turismo sustentável e responsável, com valorização e protagonismo das comunidades, que contribua para o desenvolvimento do destino de forma ordenada, com geração de emprego e renda, e que foque na proteção do meio ambiente e no respeito ao moradores e aos saberes tradicionais.

O turismo de imersão, o de base comunitária e o de experiência são exemplos de práticas harmoniosas entre o turismo e os locais, neles o morador é protagonista e não simplesmente mão de obra e força de trabalho em empreendimentos que aportam na ilha. Priorize fomentar empreendimentos ribeirinhos, seja restaurantes, locação de embarcações ou espaços como a Fábrica de Chocolate da Dona Nena e a casa de artesanato Ygara. 

Você visitante também é agente transformador, evite deixar na ilha o resíduo que você produz, a coleta seletiva na ilha do Combu é uma realidade de pouco mais de 3 anos e ainda com falhas, tente mensurar a quantidade de resíduo produzido por quem vai passear na ilha. Vais alugar um barco para festejar uma data especial? Que tal deixar a música alta para as áreas mais abertas e longe das residências? Solicite ao barqueiro que evite entrar nos pequenos igarapés que cortam a ilha, sabias que há três anos não há pesca de camarão no Combu? Eles perderam seus berçários para o movimento dos jet skys e lanchas, e além deles, os peixes também somem por estes e outros fatores, além das mudanças climáticas como o aquecimento das águas.

Se conversares com qualquer morador do Combu ele vai te dizer que as coisas mudaram na ilha e não será mencionado o desenvolvimento do turismo, mas a preocupação com a natureza que já não é mais a mesma, os animais antes muito presentes estão cada vez mais raros de serem avistados, frutos antes fartos e cada vez mais escassos, safras de açaí com baixa produtividade e tantos outros efeitos da interferência humana na ilha e no planeta como um todo. Muitos são os lamentos, poucas são as soluções, mas constante e crescente é o fluxo de pessoas.

Estamos em ano eleitoral, serão eleitos os gestores que estarão à frente dos debates durante a COP 30 e tantos outros eventos que a capital paraense já está recebendo, muito importante conhecer as propostas dos candidatos sobre a região insular de Belém, o fazer turístico, desde que pensado e planejado em conjunto com a comunidade, pode ser um importante instrumento para a preservação da nossa sociobiodiversidade e a qualidade de vida dos povos da floresta.

Raquel Ferreira do Carmo é Pedagoga com formação na área de Educação inclusiva, Educação Patrimonial e Turismo de Base Comunitária. Creator e CEO da Agência de Turismo Monotour @monotour_belem

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