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Nas últimas semanas uma série de polêmicas envolvendo falas consideradas preconceituosas de artistas e subcelebridades brasileiras trouxeram à tona uma questão que parecia outrora superada. O carnaval é uma manifestação cultural popular brasileira, mas o racismo estrutural insiste em apagar o papel das populações negras ex-escravizadas nos tempos de um Brasil colonial e que segue menosprezada, quando não violentada pela branquitude à brasileira.

Por Kelvyn Gomes/Imagem: Agência Brasil

O carnaval moderno é negro para quem ainda não sabe

O entrudo, festividade de origem portuguesa que chegou ao Brasil no século XVII, era uma celebração religiosa ligada ao início da Quaresma, mas suas raízes remontam a práticas antigas associadas à primavera. No Brasil, se transformou em uma brincadeira de rua, com os participantes, principalmente escravizados e pobres, jogando ovos e restos de comida, desafiando as normas sociais. A elite carioca, desconfortável com o caráter “selvagem” da festa, passou a organizar bailes de carnaval inspirados nas tradições europeias e tentou controlar o carnaval por meio de sociedades carnavalescas. Contudo, a cultura popular se manteve viva com os cordões e ranchos, formas de resistência ao controle das elites.

O século XX trouxe uma revolução para o carnaval, com o surgimento das escolas de samba. Em 1920, escolas como a Deixa Falar, que posteriormente originou a Estácio de Sá, e a Vai Como Pode, que viria a se tornar a Portela, começaram a organizar desfiles, dando vida ao carnaval popular que conhecemos hoje. A primeira disputa oficial entre escolas de samba aconteceu em 1929, e a partir daí, o carnaval passou a ser um dos maiores eventos culturais do país.

Em um vídeo viral, o paraense Milton Cunha, carnavalesco e comentarista de carnaval, explica as origens da festa carioca. “Escola de Samba é fruto da inteligência negra e periférica do Rio de Janeiro, no início do século XX. Então você tem os empurrados, que não tem dinheiro pra frequentar o carnaval da Avenida Central, Rio Branco e que faz o seu batuque fundando seus Grêmios Recreativos, escola de samba. Ali eles casam, ali eles fofocam, ali eles fazem a glória de ser artista. Então é uma procissão de negritude que nunca vai encerrar tributo à África, tributo a religiosidade… Então escola de samba é glória de negritude”, explica.

As escolas de samba eram uma continuidade dos cordões e ranchos, mas com uma nova estrutura, onde as comunidades se organizavam em torno de um enredo e passavam a exibir suas músicas, danças e fantasias nas avenidas. Foi nesse período que o samba começou a se consolidar como o ritmo oficial do carnaval, com a famosa composição “Pelo Telefone”, de Donga e Mauro de Almeida, marcando a transição do gênero de música popular para um símbolo do carnaval carioca.

Com o passar dos anos, o carnaval foi se tornando cada vez mais um grande evento comercial, especialmente a partir da década de 1960. A introdução de arquibancadas na Avenida Rio Branco e a cobrança de ingressos para assistir aos desfiles marcaram a profissionalização do carnaval carioca, onde empresários, como os donos do jogo do bicho, começaram a investir nas escolas de samba, criando uma dinâmica de grandes negócios em torno da festa.

Em 1984, a cidade do Rio de Janeiro inaugurou o Sambódromo, projetado por Oscar Niemeyer transformou-se em um ícone do carnaval brasileiro e se tornou o centro das atenções no desfile das escolas de samba, com um público fixo e turistas do mundo inteiro se reunindo para ver o espetáculo.

O apagamento da história e cultura negra

Inviabilizando o papel da negritude e as origens afro-brasileiras do carnaval, a cantora Claudia Leitte gerou polêmica ao substituir o nome de Iemanjá por Yeshua em uma música, o que levou a uma denúncia ao Ministério Público por intolerância religiosa. A atitude foi criticada pelo secretário de cultura da Bahia, que ressaltou a importância da palavra “Axé” na cultura e nos cultos de matriz africana. Claudia, convertida ao protestantismo, já havia se envolvido em controvérsias semelhantes no passado.

Recentemente, Joana Prado, conhecida como “Feiticeira”, também causou revolta ao declarar que o carnaval envolve cultos aos orixás e a “invocação de demônios”. Além disso, o carnavalesco Paulo Barros da Vila Isabel foi criticado por dizer que os desfiles com temática africana são todos iguais, provocando indignação e gerando uma resposta negativa.

Sobre a maior festa popular de rua do mundo, Milton Cunha em um novo vídeo que voltou a repercutir nas mídias sociais, rebate críticas aos enredos que falam sobre cultura afro-brasileira e “Ah, tem muita macumba! Ah, é sempre a África! Meu amor, é desfile da inteligência negra periférica tu quer que fale de que? Da Branca de Neve, tu quer que fale do Donald Trump? Não meu amor, vai falar de Clementina de Jesus, vai falar de Exu, vai falar de Laíla, porque escola de samba é negra, os negros produziram a maior vitrine cultural do Brasil para o mundo”, rebate o carnavalesco.

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