Por Kelvyn Gomes/Foto: Agência Sebrae
Quem olha ao longe já enxerga as girândolas perambulando entre os promesseiros. Nelas, nada de plástico ou metal, o que se destaca é o colorido dos tradicionais brinquedos de miriti que encantam crianças e adultos. Inspirados na cultura amazônica, imitam as formas da natureza e de objetos comuns do cotidiano da região. Mas, se não são de plástico ou de metal, são feitos do que? No terceiro episódio da série especial sobre o Círio de Nazaré para o Portal Jambu, te convidamos a conhecer um pouco mais sobre eles.
Genuinamente amazônico
Inspirados nas formas e nas cores da natureza e de outros elementos da cultura paraense, os brinquedos são produzidos de forma inteiramente artesanal a partir do miriti, matéria-prima extraída do miritizeiro, planta de origem amazônica. Não se sabe ao certo a origem dos brinquedos, que é comumente atribuída aos povos indígenas da região. Mas hoje, seu principal polo de produção é a cidade de Abaetetuba, município do Nordeste paraense.
É de lá que vem José Roberto Ferreira, um dos herdeiros da tradição. O artesão, que trabalha há 39 anos com o miriti, conta que seus pais fizeram parte do grupo considerado como os pioneiros na produção dos brinquedos há pelo menos 90 anos. Passados de geração em geração, os saberes compartilhados pela comunidade hoje encantam conterrâneos e estrangeiros.
As buchas utilizadas na fabricação dos brinquedos são extraídas do Miritizeiro, planta de origem amazônica importante em diversos setores da cultura e da sociedade da região. Para além dos usos recreativos, como extração do miriti para a produção dos famosos brinquedos coloridos, bastante comuns durante os festejos do Círio de Nazaré, e a produção de pipas a partir de suas talas, a árvore gera emprego e renda para as famílias que vivem da sua extração e beneficiamento, produzindo sabonetes artesanais, óleos essenciais, isolamento térmico e acústico das casas, além do consumo da fruta in natura por moradores da região.
Nas proximidades de Belém, Abaetetuba tem abundância da planta em seu território e é de lá que vem a maior parte dos famosos e coloridos brinquedos de miriti, ficando a cidade vizinha conhecida como “capital do miriti”, onde também é comum o consumo do vinho ou suco da fruta. O material utilizado pelos mestres artesãos provém da folha do miritizeiro, mais especificamente da parte interna da folha, o parênquima, conhecido popularmente como bucha de miriti.
Leve, maleável e resistente, mesmo sendo bastante versátil, a bucha antes era descartada no rio. “O processo da colheita desse miriti é nas ilhas. Eles pegam e tiram o ‘braço’ do miriti, eles tiram a tala pra fazer o paneiro e essa bucha que eles jogavam no rio, né? Não servia pra eles. E agora a gente compra essa bucha seca pra produzir”, explica o artesão. Mas a produção agroindustrial tem ameaçado a tradição e a diversidade ecológica da região.
Com a disseminação do açaí pelo país, os produtores do fruto têm substituído outras variedades de plantas pelo açaizeiro que tem ocupado cada vez mais áreas para atender a produção destinada, sobretudo, ao mercado externo. Além da escassez, o artesão explica que outro desafio da produção dos brinquedos é a falta de incentivo público, como linhas de crédito, por exemplo.
Mestres Guardiões
Ainda que ameaçados pela monocultura e pela falta de incentivos públicos, a paixão pelos brinquedos artesanais fomenta a continuidade da tradição dos produtores abaetetubenses. “O miriti ainda tá de pé devido os artesões mesmo”, esclarece seu José. O mestre explica também que sua geração pode ser a última de produtores dos brinquedos, já que as novas gerações têm se dedicado a outras atividades. “Os meus filhos não querem essa dificuldade, eles estudam, fazem faculdade pra Tucuruí”, esclarece o artífice.
Apesar das dificuldades, o artesão conta que as peças são bem recebidas no mercado de produtos artesanais e que as expectativas agora no período do Círio são as melhores possíveis. “Qualquer peça que a gente faça, seja casinha, canoa, qualquer brinquedo que a gente faça, peças decorativas, que seja bem feito, todas tem saída”, explicou. Além da venda em uma barraca de artesanato montada aos domingos na praça da república, ele também divulga e vende as peças pela sua conta no Instagram: @betoartesanato.
Bastante comuns agora no período da quadra nazarena, os brinquedos de miriti, com seu colorido que encanta e faz brilhar os olhos de adultos e crianças são uma tradição centenária. Mas hoje representam também a resistência de uma comunidade que busca salvaguardar seu legado e práticas culturais. Então, se você busca por algo genuíno e único, carregado de simbolismo, considere os brinquedos de miriti como uma opção de presente.