De Felipe Vilhena | Foto: Divulgação
Na última semana de junho, a Organização da Livre Identidade e Orientação Sexual do Pará (ONG Olivia) montou, no Parque Shopping, uma loja temporária chamada “Lojinha do Orgulho LGBTIA+”, que ficará aberta até este domingo (30). O espaço faz parte da ação Olivia Empreende, voltada para o fortalecimento de empreendedores LGBTI+ e marca o fim da primeira edição do projeto na região metropolitana de Belém.
A ONG Olivia foi criada em 2014 por Gleyson Oliveira, Marcos Mattos e Jairo Santos em defesa dos direitos humanos da população LGBTI+ no estado. A organização oferece diversos serviços, como testagens e aconselhamento voltados para a população LGBTI+, atendimento psicológico gratuito, rodas de conversa, debates, oficinas de capacitação e acompanhamento jurídico.
O projeto Olivia Empreende teve início neste ano e foi dividido em três etapas. A primeira consistiu no levantamento de dados sobre os empreendedores LGBTI+ do estado, já a segunda selecionou alguns participantes do mapeamento para uma série de formações profissionalizantes relacionadas ao mundo do empreendedorismo, como gestão administrativa, marketing, finanças e inclusão. Por fim, foi aberta a “Lojinha do Orgulho LGBTIA+”, onde os empreendedores selecionados anteriormente podem comercializar seus produtos e divulgar suas iniciativas.
Em entrevista para o Portal Jambu, o jornalista e atual presidente da organização, Marcos Melo, explica em detalhes os planos com o projeto e a importância de ações para o setor de empreendimentos LGBTI+ na cidade de Belém.
Portal Jambu: Essa é a primeira iniciativa da ONG de fortalecimento de empreendimentos feitos pela comunidade LGBTI+?
Marcos Melo: Se a gente for olhar um pouco para o nosso histórico, a gente vinha realizando ações que dialogavam com o empreendedorismo. Sempre gostamos de realizar cursos, palestras, formações. Então a gente já dialogava com a área, mas esse é o nosso primeiro projeto.
Portal Jambu: Desde quando vocês começaram a idealizar o Olivia Empreende?
Marcos Melo: O projeto nasceu em março do ano passado, quando a gente participou de um curso realizado pelo Instituto Mais Diversidade, aqui em Belém. A gente fez uma oficina de elaboração de projetos voltados para o empreendedorismo e aí nos sentimos incentivados a atuar nessa área, entendendo a necessidade aqui na região. E aí eu inscrevi o projeto no edital (LGBT+ Orgulho do Instituto Mais Diversidade) e a gente ganhou.
Portal Jambu: Qual o objetivo da ONG com o Olivia Empreende?
Marcos Melo: O projeto tem como objetivo fortalecer o empreendedorismo LGBTI+ como um setor. Nós temos aqui na região alguns projetos que atuam de maneira pontual, que fazem uma série de oficinas e cursos ou então realizam uma feira e convidam os empreendedores para expor os produtos. Mas o nosso projeto tenta pensar isso de maneira mais macro, então a gente olha para o empreendedorismo como um setor.
Primeiro realizamos uma pesquisa para ter dados sobre empreendedorismo na nossa região, porque sem dados a gente não consegue entender o cenário e quais são as necessidades dele. Depois, a partir desse mapeamento, selecionamos um número de empreendedores para participarem do projeto, que na sua segunda etapa realizou consultorias para empreendedores e também cursos e oficinas voltadas para o empreendedorismo em áreas como gestão e marketing. E aí na terceira etapa a gente criou um espaço onde esses empreendedores podem expor seus trabalhos, que é a “Lojinha do Orgulha LGBTQIA+”, que está aberta no Parque Shopping. Então é um projeto que tem três etapas que olha de maneira mais macro para o setor do empreendedorismo específico de pessoas LGBTI+, entendendo o cenário, formando essas pessoas e também ampliando a visibilidade do trabalho delas.
Portal jambu: Antes do projeto, como vocês percebiam esse setor da economia na cidade de Belém?
Marcos Melo: Eu acho que a nossa visão era muito pontual, muito fragmentada. Então, a gente via, por exemplo, no setor cultural mesmo, muitas pessoas LGBTs, desde o produtor ao próprio artista. Então a gente olhava para o empreendedorismo e falava assim: “Okay, têm empreendedores LGBTI+ e estão aqui em todos os lugares”. Mas eu acho que a gente nunca conseguia enxergar o quanto o fato de ser um empreendedor LGBTI+ trazia para essa pessoa algo muito específico. Ele também é atravessado por situações de preconceito, de não acessibilidade, de dificuldade mesmo no empreender. E aí, o nosso projeto vem nos trazer esse olhar. O meu olhar mesmo era muito fragmentado. Eu via os empreendedores, achava muito legal, mas não entendi a importância da gente apoiá-los enquanto pessoas LGBTI+ que estão empreendendo. O projeto desperta na gente esse olhar, o olhar da gente falar “caramba, o cara não consegue o emprego, ele busca empreender, mas ele tem que passar pelas dificuldades de empreender junto das dificuldades de ser uma pessoa LGBT”. Então assim, que suporte que essa pessoa tem, sabe? Onde é que essa pessoa encontra suporte?
Muitos empreendedores LGBTI+ não têm CNPJ, mas desejam ter, e nunca acessaram o Sebrae ou o Senac, espaços que estão à disposição. O Olivia Empreende também surge como uma ponte entre essas ferramentas que apoiam empreendedores com esse público. E aí quando a gente chega no Senac e no Sebrae e fala que tem um monte de empreendedor LGBTI+ querendo acessar os serviços deles, eles falam assim: “Nossa, que legal, a gente sempre quis dialogar com a sua população, mas nunca conseguiu porque não sabia como”. Então, assim, esse “não saber como” também é fruto de um preconceito institucionalizado, da gente não saber o básico que é conversar com as pessoas, de ficar com medo de dialogar porque é uma pessoa LGBTI+ e não dar esse passo. E aí o projeto vem para juntar todo mundo e fortalecer esse setor da economia criativa, um setor produtivo e que gera renda.
Portal Jambu: Como foi a recepção do público em relação às ações realizadas?
Marcos Melo: Por ser um projeto inédito, a gente tá aí à mercê da recepção das pessoas. Esse ineditismo inclusive ressalta uma necessidade, que se é inédito é porque ninguém nunca fez. E se nunca fez, alguém estava precisando, né? Então assim, as pessoas receberam muito bem o projeto, felizmente a gente teve o apoio de uma galera muito legal. Todo mundo que conhece o projeto tem essa reação positiva de falar “que legal, que importante, nunca tinha refletido a partir desse ponto de vista”. Então a visibilidade que a gente tá trazendo para o tema também é muito legal. E a lojinha aqui no shopping tem a mesma coisa, as pessoas não estão acostumadas a ver o LGBTI+ estampando lugares de protagonismo positivamente, sempre estão acostumadas a ouvir sobre dados de violência, dados de assassinato. E aí quando você coloca essa pessoa, essa pessoa LGBTI+, como protagonista de uma história de sucesso, de venda, de vitória e de conquista, as pessoas se surpreendem positivamente, então isso também é muito legal.
Portal Jambu: Quais os planos para futuras edições?
Marcos Melo: O Olivia Empreende foi um aprendizado muito grande para a gente, porque nunca tínhamos dialogado de maneira tão profunda com os empreendedores. Quando a gente fala de empreendedores LGBTI+, a gente está falando de pessoas que, muitas vezes, não conseguiram uma oportunidade no mercado de trabalho. E para garantir a sua sobrevivência, para garantir a comida no prato, ter uma casa e pagar suas contas, essas pessoas buscam no empreendedorismo essa alternativa para ter acesso à renda. E aí a gente começa a dialogar com essas pessoas e aprendemos muito com isso.
A partir de agora, a gente quer dar continuidade ao projeto, com toda certeza. A gente pensa em levar esse projeto para outras regiões do Estado. Esse piloto foi realizado apenas na região metropolitana de Belém. Então a gente pensa numa segunda edição, com um projeto ainda maior, onde a gente possa pensar numa loja fixa na cidade, não só uma loja temporária. Enfim, a gente quer dar continuidade ao que a gente acertou no projeto e também melhorar aquilo que a gente acabou errando.