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De Felipe Vilhena | Foto: Felipe Vilhena

Matheus Sousa, também conhecido como Matt, é um fotógrafo de 24 anos e uma pessoa com deficiência (PCD). Sempre foi muito amado por sua família e aprendeu com eles o valor de demonstrar afeto às pessoas, desde amigos de longa data à desconhecidos pelas ruas. Matt teve contato com a fotografia com 15 anos e passou a retratar seus familiares e desconhecidos que encontrava pela cidade com sua abordagem simpática e calorosa.

Ao ingressar na faculdade de história, o fotógrafo desenvolveu um forte senso crítico em relação às representações de seus semelhantes na academia. Quando questionava os professores sobre a existência de pessoas com deficiência ao longo da história humana, era dito que não haviam muitas fontes ou que não existia interesse em investigar sobre o tema. Sem conseguir se enxergar na academia, exposições ou na própria história, Matt passou a buscar sobre outros artistas PCDs por Belém e região metropolitana para criar um espaço onde ele e os seus possam existir.

Em entrevista para o Portal Jambu, Matt conta em detalhes sobre seu processo de descoberta como artistas e do desenvolvimento de sua linguagem como fotógrafo. Além disso, também compartilha momentos da sua vida e inseguranças por conta de sua deficiência física.

Portal Jambu: Como surgiu seu interesse pela fotografia?

Matt: Em 2015, com uns 15 anos, eu fiz uma fotografia com meu celular da época e pensei “olha que legal que ficou essa fotografia” e, na minha cabeça daquele período, eu fiquei com o pensamento de que algo eu sei fazer. A partir disso, tive um grande gatilho para desenvolver e potencializar isso. Foi quando em 2016 eu comprei minha câmera e comecei a fotografar pela rua e isso foi me deixando cada vez mais apaixonado pela fotografia.

O que me deixou apaixonado pela vivência em fotografar foi justamente as trocas que a gente tem nesse processo. A galera pensa na fotografia a partir do clique, quando na verdade ela começa na conversa, no olhar, no “Oi, eu sou o Matheus. Posso tirar uma foto sua?”. As conversas que eu tinha com as pessoas nas ruas e compartilhar momentos, seja com o taxista que trabalha há trinta anos na Presidente Vargas ou algum artesão que encontro pela rua, me deixou muito preso à fotografia de uma forma boa.

Nós, pessoas com deficiência, temos várias insegurança impostas ao nosso corpo, então às vezes eu olhava minhas fotos e pensava não ser tão bom, e demorou bastante para eu conseguir me afirmar como artista. A gente tem uma série de estereótipos em cima dos nossos corpos, então quando eu falo que sou fotógrafo as pessoas já logo olham para minha mão e se perguntam como eu tiro foto ou seguro a câmera.

Portal Jambu: Como foi sua jornada de deixar de fotografar como um hobby para ser um artista e profissional da área?

Matt: Eu não sei dizer o momento exato, mas passei por diversos processos dentro da fotografia, são diferentes camadas em que eu consegui sentir a fotografia, seja fotografar a natureza, nossa cidade ou as pessoas. Em cada um desses caminhos, eu fui me encontrando e afirmando em tempos diferentes. Em 2022, lembro quando fui participar do Arte Pará como equipe do Educativo e eu olhava para as narrativas da galera e eu ficava assim: “Égua, eu não tenho narrativa. Será que eu sou artista?”. Aí eu comecei a me questionar sobre ser artista ou não.

Quando comecei a pensar sobre como fulano ou ciclano fotografa, a forma como andam e pulam, ali eu passei a entender sobre o ritmo do meu corpo, que é diferente dos outros. Existe essa diversidade (de corpos), mas é tão imposto pra mim vários estereótipos que eu sempre me achei inferior ou menor. Então eu acho que foi um processo que começou lá em 2019 e que é algo contínuo.

Portal Jambu: Sobre suas produções, desde quando você trabalha com essa ideia de “fotografias de afeto”?

Matt: Esses dias eu tava até refletindo sobre isso com a minha mãe. Ontem eu fiz umas fotos do meu priminho de 9 anos e, conforme eu tirava as fotos, fui pegando um pouco da essência dele e percebi que ele tem um certo “cuidado”. Ele se importa muito, sente muito, é muito sensível e ele sempre fala: “Tio, eu quero fotografar que nem o senhor”. Eu estava falando com a minha mãe sobre como um dos principais pilares da nossa família é o cuidado, então eu sempre vi o afeto no meu cotidiano.

Eu lembro de acordar e ver minha vó cantando para as plantas dela e eu via o carinho que ela tinha com as plantinhas. A mesma forma que ela cantava pra plantinha era a mesma que ela cantava pra mim quando eu ficava apavorado com algum trovão. Eu sempre tive esse carinho e eu gosto de fazer esse afeto presente.

Quando eu tive contato com o conceito de fotografia compartilhada e com o olhar do bem-querer de João Ripper, através de alguns amigos como a Nay Jinknss, Ana Mendes e o Rafael da Luz, vi que eles existiam no meu trabalho. Eu sempre gostei de conversar com as pessoas que eu retrato e hoje eu sei classificar essa característica e até como potencializar isso melhor.

Portal Jambu: Junto desta relação de afeto da sua família, você também tem uma conexão forte com a música. Qual a ligação desses dois elementos na sua produção?

Matt: A música sempre me inspirou muito. Quando eu estava no primeiro ano do maternal, minha mãe sempre escutava Roberto Carlos, então a todo momento eu estava ouvindo alguma música com ela. Só que eu percebi que a mamãe também sentia a música, ela tinha uma ligação muito forte com aquilo. Eu acredito que isso foi algo que eu mantive porque eu sou apaixonado pela música, tanto que ela tem uma forte importância nos meu trabalho. Todo músico que eu fotografo, cada festival, é muito importante pra mim.

Para mim, fotografia é registrar e sentir um momento. Quando eu vou fotografar, eu geralmente fico uns 20 minutos ali só sentindo o espaço em vez de já ir tirando foto. Nesse exercício de sair pelas ruas, eu sempre saio de casa com uma música do Djonga, Don L ou FBC na cabeça, músicos que fizeram parte da minha trajetória.

Eu passei a ser fotógrafo de festivais com o Festival Psica em 2021. Eu tinha dado uma pausa na fotografia nessa época porque, em 2019, eu perdi um amigo meu, o Lucas, e foi um baque muito forte. Eu cresci com ela, sabe? Foram 19 anos juntos. A gente ouvia Arctic Monkeys juntos e acompanhamos o lançamento do Bluesman do Baco também. Nisso, a gente tinha marcado um encontro toda tarde que era tomar um café e ouvir música junto de alguns amigos. Toda decisão das nossas vidas a gente tomava a partir de um café e uma boa música, então a música estava muito presente na nossa relação. Quando ele morreu, eu não quis continuar com a fotografia e deixei de ouvir as minhas músicas por não saber lidar com a perda, foi muito doloroso. Quando o Psica abriu o credenciamento para fotógrafo, eu pensei em tentar e consegui trabalhar no evento. Eu senti várias dificuldades por conta da minha deficiência e fiz alguns questionamentos sobre inclusão para organização e eles foram bem receptivos. Eu sigo trabalhando como fotógrafo do Psica até hoje, mas passei também a trabalhar na parte de inclusão e acessibilidade do evento.

Resumindo, a música tem uma relação muito forte com a minha arte porque ela trata de memória também. Quando eu falo que sigo em frente por mim e pelos meus, é porque eu faço por mim, pela minha mãe, meus amigos e o Lucas. As músicas me lembram de pessoas, momentos e me inspiram a lutar.

Portal Jambu: Antes de se tornar um militante pelas pessoas com deficiência, como era sua relação com a sua deficiência?

Quando eu era criança, eu não tinha muita noção que era diferente das outras pessoas, eu ouvia os comentários e os cochichos, mas não entendia. Até uma vez em que eu fui andando pra escola junto da minha mãe e um cara passou numa moto gritando: “Para de dançar, viado”. Eu fiquei sem entender o porquê daquilo até que reparei na minha sombra e vi que era diferente da minha mãe, foi nesse momento que passei a perceber as diferenças que eu tinha.

Quando eu comecei a cursar história, eu percebi que meus professores não discutiam sobre as pessoas com deficiência nos diferentes períodos da humanidade. Eu via todas as outras minorias, mas nunca as pessoas com deficiência e, quando eu questionava o motivo, os professores diziam que era por falta de fontes ou por não encontrarem esse material. Era sempre uma justificativa para não assumirem que não procuraram a respeito dessa minoria ao longo da história. Foi aí que eu comecei a desenvolver um senso crítico muito forte.

Portal Jambu: Cada vez mais você tem aparecido em eventos ou atividades para falar sobre acessibilidade e inclusão no meio cultural. Com essa visibilidade, como se sente em saber que a sua voz está alcançando outras pessoas com deficiência?

Eu passei por esses diversos processos de sair de alguém que se via como incapaz para me ver como um artista, mas ter essa noção de que sou a inspiração, de que a minha voz está sendo ouvida, é algo surreal ainda para mim e me dá muita força. Quando alguém fala pra mim “ah, bom encontrar outro artista com deficiência aqui” ou algo do tipo, me sinto com mais força para continuar, porque não é fácil. A gente pensa em desistir, dar uma pausa, mas quando escuto essas vozes eu ganho o dobro de força para continuar. Eu trabalhei em dois educativos de exposição e nunca via uma artista com deficiência na parede. Quando eu questionava, me falavam “ah, mas a gente trouxe os tradicionais” (em tom de arrogância) e isso é um apagamento muito violento em relação aos artistas com deficiência que produzem há muito tempo. Na Brasil Futuro, eu lembro que todo sábado tinha uma conversa com artistas e eu sempre levantava o questionamento da falta de pessoas com deficiência. Então eu não me enxergava nas paredes e eles também não me enxergavam porque não era do interesse deles dar oportunidade para essas pessoas.

Na última semana de exposição, o supervisor me perguntou se eu conseguiria montar uma mesa só com pessoas com deficiência para o sábado e eu respondi que sim. Por causa disso, eu pesquisei e conheci vários artistas, como o Marcelo Santos, Socorro Lima e outros que viraram grandes referências. Depois de um tempo, eu sugeri pra eles criar o coletivo “Arte Expressa Def” que, para além de luta, é uma rede de apoio, já que às vezes a luta é muito solitária. Hoje eu vejo que tem vários nomes da cidade que são artísticas com deficiências produzindo há muito tempo, então não tem mais desculpa para um curador falar que não conhece. Caso fale, eu mando uma lista com os nomes de cada um e falando suas produções, coisas que descobri com uma semana de pesquisa. Não é possível que eles, que tem vários contatos de anos de curadoria, não encontrem uma artística com deficiência em Belém.

Respostas de 2

  1. Parabéns Matheus,que o senhor ilumine sempre os seus passos e o conduza numa ascensão de sabedoria e força pelos PCD.Lindo trabalho pois é realizado com amor e vdd.

    1. Matt é um artista, militante e educador revolucionário. Traz consigo uma imagem gigante de afeto, sabedoria e vida, é incalculável o valor de seu trabalho para o povo em eixo cultural e crítico, é representatividade do expressar da voz e alma, expressar a existência.
      Todo o sucesso e realizações do mundo💕 Conhecer teu nome é sinônimo de realizar, e todo o mundo realizará sua humanidade com afeto e verdade

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