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SÉRIE ESPECIAL ANIVERSÁRIO DE BELÉM

No segundo episódio da série especial sobre o aniversário de Belém para o Portal Jambu, conversamos com Amanda Proença Souza, professora e historiadora da alimentação, membro do Grupo de Pesquisa em História da Alimentação e do Abastecimento na Amazônia (Alere) sobre a rica e complexa cultura alimentar de Belém e da região amazônica.

Cheiros e sabores que invadem o imaginário do belenense e que o orgulha por fazer parte de uma cozinha que pulsa ancestralidade. Saberes e sabores que ajudam a moldar a cultura local e conquistam o paladar estrangeiros. A cidade criativa da gastronomia, segundo a Unesco, combinada nos pratos servidos nas esquinas e restaurantes, sua história e identidade com punhados de modernidade.

Por Kelvyn Gomes/Imagem: Vendedora de Tacacá, de Antonieta Santos Feio, disponível no Museu de Arte de Belém (MABE)

Identidade posta na mesa

A comida em Belém é muito mais do que uma simples refeição, ela carrega marcas da história, das tradições e da ancestralidade do povo. A historiadora Amanda Proença destaca que “a alimentação da cidade está muito ligada a sua cultura, tradições e ancestralidade”, e enfatiza a importância de aprofundar o conhecimento sobre as práticas alimentares e os ingredientes que são parte essencial de nossas vidas no cotidiano. Para ela, existe uma necessidade urgente de “investir em pesquisas na área da alimentação e na busca por entender melhor os processos e as ancestralidades de cada alimento”.

A mandioca, por exemplo, é apontada como a grande protagonista na culinária local. A professora chama atenção ainda para a importância social desse ingrediente, fazendo referência ao trabalho do professor Miguel Picanço, que aborda a relevância da mandioca e suas múltiplas formas de utilização, desde o tucupi até a maniçoba, passando pela goma da tapioca e até a casca, que enriquece o alimento dos animais e do solo. Além da mandioca, a culinária paraense é marcada por outros ingredientes igualmente significativos, como o açaí e o jambu. “A mandioca foi fonte de alimentação para escravos na colônia, é fonte de alimentação indígena, e está presente nos lares dos paraenses diariamente”, explica a historiadora especialista em história da alimentação e do abastecimento na Amazônia.

A pesquisadora lembra também das fases históricas de Belém, que moldaram sua culinária de maneira singular.  Ela ressalta a importância de entender essas influências, que vão desde as técnicas indígenas, como a moqueagem do peixe, até a introdução de ingredientes europeus, como o açúcar e o trigo. “Belém possui várias fases, a introdução da escravidão, a colonização portuguesa e, com a Belle Époque no século XIX, passou por um processo de ‘refinamento’ do seu paladar e hábitos alimentares. Belém é reflexo dessas relações, por isso, repito, é necessário compreender nossa ancestralidade”, conclui.

Comida e afeto

A relação dos paraenses com a comida vai além da simples necessidade de se alimentar, é um verdadeiro evento, muitas vezes, ritualístico. Para Amanda, um dos aspectos mais marcantes da culinária paraense é a forma como as refeições se tornam momentos de celebração e comunhão. “Quem nunca saiu numa tarde quente, sentou numa barraquinha e tomou seu tacacá, sem pressa?”, questiona a pesquisadora, explicando que o tacacá, mais do que uma iguaria, é um ritual. “Não pode ser tomado rápido, precisa de calma, pra lidar com caldo quente. E o evento que é a comida do Círio? Cozinhar por sete dias um alimento? Que outro lugar faz isso?”.

Além disso, Amanda descreve com orgulho a forma como as famílias paraenses se reúnem ao redor da comida, seja para preparar refeições tradicionais, como o arroz com galinha, o vatapá e a taça da felicidade, ou na hora de consumi-los. “Sempre um evento, o motivo é a comida, mas o resultado são momentos de comunhão com amigos e família além de muita fartura, representando o que nossa cidade é, farta, com manga que cai no meio da rua asfaltada”, afirma, evocando a sensação de abundância e calor humano que permeia a culinária de Belém.

Não é por acaso que os paraenses demonstram um orgulho imenso por sua comida e suas tradições alimentares. A historiadora e membro do Alere, grupo de pesquisa que tem se dedicado a investigar a fundo as tradições e origens de algumas de nossas práticas, saberes e ingredientes, reflete sobre a nossa relação com o açaí, por exemplo, e com quem consideramos que o “come errado”.

Para ela, o segredo está no conhecimento e no respeito. “Quanto mais conhecimento sobre nossa cultura, nossos ancestrais e o respeito a todos aqueles que vieram antes de nós, tornará a cidade ainda mais rica e grata por tudo o que temos”. Essa valorização do conhecimento ancestral também implica em um relacionamento mais respeitoso com a floresta que sustenta tudo isso.

A culinária de Belém é um espelho de sua história e identidade. Cada prato, cada ingrediente, carrega uma carga cultural e social imensa, sendo não apenas uma forma de nutrição, mas também um ponto de encontro, de celebração e de resgates de memórias e ancestrais. A comida em Belém é um evento, é festa, é história, é identidade.

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