
Por Kelvyn Gomes/Imagem: Divulgação
“Mulheres têm um grito”. É o título do primeiro livro solo da escritora e professora paraense Jheime Sousa, que será lançado, neste domingo, às 18h, no Pub Cabana, na Cidade Nova, em Ananindeua. Lançada pela Editora Litteralux, a obra compartilha a travessia da autora pela escrita, maternidade e Amazônia.
O livro chega como um grito necessário e um abraço afetuoso, um convite para pensar o Brasil e o mundo a partir das vivências de mulheres amazônidas. “Eu comando a minha vida e sonho com um mundo que seja mais gentil com as mulheres”. A frase, dita por Jheime, carrega a força de quem aprendeu a transformar dores em palavras e palavras em resistência.
Natural de Ananindeua, na região metropolitana de Belém, Jheime começou a escrever ainda criança, incentivada por um pai leitor que, apesar das limitações escolares, “sempre nos incentivou a conhecer várias áreas de conhecimento, em especial a literatura”. Entre os nomes que povoaram sua infância estão Cecília Meireles, Drummond, Camões (com seu “amor é fogo que arde sem se ver”) e, especialmente, Gonçalves Dias, cujo poema “Se se morre de amor” marcou sua sensibilidade desde cedo.
A escrita, conta Jheime, sempre esteve presente. Mas foi nos momentos mais difíceis que ela virou ferramenta de expressão e sobrevivência. “A escrita sempre esteve nas brechas, entre uma atividade e outra e sempre no papel de salva-vidas. A vida cotidiana nos moldes desses tempos modernos nos soterra. E com as nossas questões de mulheres com dupla, tripla jornada, aí piora tudo! Mas a arte salva!”.
Em “Mulheres”, ela reuniu poemas que acumulava desde 2019. Durante anos, submeteu o original a diversas seleções sem sucesso, enfrentando o silêncio e a dureza do mercado editorial. “Passei por todo aquele processo de questionamento da minha arte: se era boa o suficiente, se alguém ia querer ler. O mercado editorial é bem inacessível para escritores iniciantes e quando falamos de uma mulher do Norte, escrevendo poesia, aí tudo se agrava”, argumenta.
Mas Jheime persistiu. Com o apoio da Litteralux, finalmente viu sua escrita tomar forma de livro. “O ‘Mulheres’ tem um grito, uma força, um eu lírico que transpassa até mesmo minha vontade, porque vem da vivência como mulher e da observação sobre o mundo. É uma literatura engajada. E o abraço é do tipo que diz: estamos aqui, bem aqui, sendo nós por nós, como diz o primeiro poema”.
Um dos aspectos mais emocionantes do livro está na capa. Com ilustração feita há oito anos por seu filho, Ramsés Willian, ainda adolescente. Guardado com carinho, o traço virou símbolo de afeto e continuidade. “Eu pensei que seria lindo tê-lo na capa de um livro meu publicado. E assim está sendo! É uma alegria enorme!”.
O projeto gráfico, assinado por Karina Tenório, dialoga com esse universo íntimo e simbólico, respeitando o tom e a intensidade dos poemas. A costura entre texto e imagem se torna ainda mais potente com o prefácio escrito por Anna Linhares, professora e escritora que Jheime conheceu no Facebook e que a acompanhou como referência e inspiração. “Suas palavras me comoveram e me fizeram chorar porque ela abraçou o ‘Mulheres’ e generosamente fez uma leitura atenta e gentil”.
Para Jheime, a escrita de mulheres amazônidas segue lutando contra um apagamento persistente. “É muito desafiador produzir literatura na Amazônia porque o cenário literário brasileiro entende como literatura nacional o que é produzido no eixo sul-sudeste. Quando falam da nossa produção, chamam de arte regional, o que pode parecer elogio, mas é, na verdade, a tentativa de conceder apenas um pedaço do todo”, pontua a autora.
Mas ela não aceita pedaços. Carrega a floresta nos versos e a força das que vieram antes. “Nós, mulheres paraenses, nortistas, temos a exata consciência da força da nossa herança e da coletividade e por isso a nossa escrita é densa, forte e tudo isso sem perder de vista a técnica. Como diz o poema da escritora Roberta Tavares: ‘Venho do ventre de mulheres que costuraram liberdades com retalhos’”.
Ao lançar “Mulheres”, Jheime não quer apenas emocionar ou provocar, embora isso aconteça. Ela espera acender em quem lê um desejo de transformação. “Se for pra escolher algo em prioridade para deixar no coração e na mente das pessoas, eu escolho o sentimento de coragem. Coragem para transgredir as regras postas, a cultura, os arranjos que desfavorecem as mulheres”.
E completa com uma pergunta que também é manifesto. “Nós, enquanto humanidade, descobrimos a fórmula matemática para chegar à lua e voltar dela. Somos incrivelmente inteligentes — por que então não descobrir e/ou aplicar uma fórmula que deixe o mundo menos perverso para as mulheres?”.
Se depender de Jheime, a resposta passa pela poesia. Pela palavra escrita com coragem e ternura. Pela certeza de que o Norte também fala, também escreve, também comanda a própria vida. E tem muito a ensinar ao país inteiro.