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De Kelvyn Gomes | Foto: Álbum de Belém, 1904

Quando se fala em Belém do Pará a primeira alcunha que talvez venha à cabeça seja a “cidade das mangueiras”, ou “mangueirosa”. A mangifera indica, nome científico da espécie, tornou-se um símbolo da cidade ao longo do século XX ao ser adotada como o principal gênero vegetal no processo de reurbanização da capital do Pará. De lá pra cá, serviu de inspiração a pintores, fotógrafos, poetas e músicos como no clássico “Os passa vida” da banda paraense Sayonara, inspiração para nosso título. Mas as primeiras mudas chegaram aqui muito tempo antes.

Não se sabe ao certo, mas especula-se que as primeiras mudas da espécie tenham chegado à cidade ainda no século XVIII trazidas pelos colonizadores. A manga é uma fruta originária da Ásia, outro dos tantos territórios explorados pelos lusos. Sua aclimatação foi bem sucedida em Belém graças às características climáticas da cidade que guarda semelhanças com aquela região.

Sua presença foi registrada em retratos da paisagem urbana da capital do Pará, desde pinturas às primeiras fotografias. Seu plantio, nesse momento, era uma iniciativa principalmente de particulares que espalharam mudas em quintais e áreas públicas próximas as suas próprias residências. A manga, fruto da mangueira, saborosa, refrescante e que enfeita as árvores com seu amarelo reluzente, fez com que a mangueira caísse no gosto do belenense e se tornasse uma queridinha quase unânime.

Avenida Nazaré em 1902 – Foto: Álbum de Belém

Foi Antônio Lemos, intendente municipal, que adotou a mangueira como um dos “ícones” do processo de reurbanização da cidade. Com a riqueza advinda da exploração do sertanejo e da seringueira, cabia à administração pública municipal a transformação da cidade para atender aos princípios de ordem e progresso característico do novo modelo político adotado, o republicanismo. Para isso, esperava-se que cidades modernas fossem organizadas, com passeios públicos e bulevares, limpos e salubres, para a elite desfrutar de suas riquezas que produziam uma Belle Époque no coração da floresta. Mas Belém precisava vencer alguns desafios.

O clima da capital era considerado insalubre, propício a proliferação de doenças graças aos miasmas advindos da poeira no tempo quente, ou da água parada no tempo chuvoso. Fosse pelo calor intenso, ou pelas chuvas intensas, viver aqui foi considerado, por muito tempo, um desafio. A solução para esses e outros problemas era tentar dominar a natureza, a partir do seu ordenamento. A mangueira, outrora quase naturalmente adaptada, como se daqui fosse, alcançou o estrelato.

Hospital D. Luiz – Foto: Felipe Augusto Fidanza

Os estudos encomendados pela intendência municipal identificaram que as frondosas árvores, bastante familiarizadas a este clima considerado desafiador, tinham crescimento acelerado e folhagem constante, possibilitando que em pouco tempo cobrissem as praças e os parques da cidade, garantindo conforto térmico as senhoras, sinhás e senhores. A árvore da qual o intendente fez defesas veementes, tinha bom cheiro, espantando os tão temidos miasmas causadores de doenças. E o saboroso fruto que, já fazendo parte da cultura alimentar do belenense, poderia, segundo Lemos, alimentar as populações mais pobres.

Abriu-se, então, edital público para aquisição de mudas com 2m de altura, no mínimo. Qualquer pessoa podia ofertá-las à prefeitura disposta a adquiri-las. As primeiras, consideram os historiadores, vieram de um pomar mantido pelo arquiteto italiano, Antônio Landi, em casa e trazidas por seu sogro anos antes. Logo depois o horto municipal passaria a receber pequenas mudas que, quando aptas ao plantio, seriam destinadas ao embelezamento das principais ruas da cidade. Assim, as mangueiras que no passado ocupavam pequenos espaços se proliferaram pelas avenidas centrais, chegando a substituir outras espécies.

De um passado glorioso, nossa estrela parece ter entrado em decadência. De vez em quando ouve-se anunciar: “Mangueira cai em Belém”. Os jornais e as secretarias culpam a “chuva e o mau tempo”, mas não precisa de muito para saber que elas estão sendo abandonadas. Suas raízes, no passado fincadas na terra, hoje são sufocadas pelo progresso do asfalto. Sem ar, desnutridas, o cuidado mínimo da poda sequer respeita suas formas e estruturas, mas obedece aos caminhos dos fios que conduzem eletricidade, outra marca do nosso desenvolvimento.

Mas se nessa cidade, “as mangueiras falam sempre em ti”, acho que precisamos falar mais sobre as mangueiras.

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