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Belém está no centro das atenções do mundo! Desta vez, o que nos colocou no radar não foi a nossa culinária, arquitetura ou as nossas belezas naturais, mas a recepção de um evento que ditará os rumos da política climática mundial: em 2025, a capital do estado do Pará será sede da 30ª Conferência das Partes das Mudanças Climáticas, a COP 30. Atualmente, existem três COPs que trabalham temáticas distintas: a COP da Biodiversidade, que ocorre a cada dois anos e discute sobre Diversidade Biológica; a COP da Desertificação, também bianual, que discute os programas de combate à desertificação e a COP das Mudanças Climáticas, a mais conhecida, que discute, anualmente, o clima do planeta.

A Conferência das Partes das Mudanças Climáticas ocorre desde 1995 e reúne países e territórios que assinaram e compõem a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC), um tratado internacional elaborado durante a cúpula da Terra, mais conhecida como Eco-92, e que continua em vigor até hoje. Apesar de colocar discussões que atingem a população mundial como um todo, o espaço onde ocorrem as negociações importantes é restrito aos representantes “oficiais” de cada país e não é aberto ao público. Isso significa que, na prática, os pontos de vista de muitos grupos sociais podem ficar de fora. 

Imagem: João Paulo Costa

Por isso, destacamos a relevância de um importante mecanismo que busca mudar essa realidade: a comunicação popular e o ativismo. Para entendermos mais sobre isso, entrevistamos dois ativistas amazônidas com experiência em comunicação popular: Marcos Wesley e Jean do Gueto, que, por meio dos trabalhos nas comunidades, buscam organizar a sociedade civil da Amazônia para que nossas pautas sejam postas na mesa das negociações climáticas.

A discussão climática nas periferias da capital da COP30

Para que as soluções climáticas sejam cada vez mais justas, igualitárias e inclusivas, precisamos reverberar as vozes de quem nem sempre é ouvido. Afinal, as populações mais vulnerabilizadas são as primeiras afetadas por eventos climáticos extremos como  queimadas, enchentes e secas. Essas comunidades estão majoritariamente em áreas de risco relacionadas ao clima, seja diretamente, como em baixadas ou encostas de morros, ou indiretamente, em função dos conflitos de terra, como é o caso das comunidades ribeirinhas, quilombolas e indígenas, que sofrem ameaças constantes por defenderem os seus próprios territórios. 

Por essas razões, é muito importante que as pautas da sociedade civil cheguem aos espaços de acordo da COP. A questão é: o que podemos fazer para incidir sobre esse debate? Já que, na prática, as negociações acontecem a portas fechadas, apenas entre representantes e diplomatas dos países membros, nas chamadas “zonas azuis” do evento. Aqui na Amazônia, há quem trabalhe a todo vapor para democratizar essa discussão. É o caso da COP das Baixadas, uma coalização construída por várias organizações de diferentes contextos amazônicos que buscam a justiça climática para as periferias. 

Imagem: Reprodução COP das Baixadas

A COP das baixadas surgiu após uma inquietação do ativista Jean do Gueto, ao participar da sua primeira COP, em 2022, no Egito. Ele percebeu a importância de encontrar meios para levar as demandas da sua comunidade até a conferência organizada pela ONU: “acho que um dos motivos da COP das Baixadas existir é colocar todas as organizações numa mesa e não fazer essa distinção sobre quais devem ou não estar lá. A gente entende que todo mundo é atravessado pelo clima. Todo mundo tem algo a defender, um modo de vida a defender, que depende de um território específico para continuar existindo. A gente tá falando sobre a vida das pessoas e a cultura delas.

”Para inserir as periferias de Belém na discussão climática e aproveitar a vinda do evento para a Amazônia, a COP das baixadas criou as Yellow Zones (Zonas Amarelas, em português), nome pensado em alusão às zonas oficiais da conferência do clima (as “Blue Zones” e “Green Zones”). Nas Yellow Zones, a ideia é fazer dos espaços comunitários e periféricos de Belém zonas de discussão semi-oficiais, “onde se reverbera aquilo que as lideranças das comunidades estão falando, as problemáticas que elas enfrentam e também sobre como o mundo inteiro pode colaborar com elas”, afirma Jean. Essa é uma forma que encontraram de articular as comunidades para que as suas demandas cheguem às mesas de decisões do governo. 

Jean nos mostra a importância de criar uma organização com “contornos oficiais”, que se aproprie da linguagem empregada em espaços de poder, para se inserir na disputa: “uma das coisas que a gente observou é que tanto o governo de qualquer esfera — municipal, estadual, nacional — ou qualquer outro tipo de grupo com poder, só escuta quem já tem poder. Então, nós, se não tivéssemos nos organizado enquanto COP das Baixadas, se não tivéssemos feito as conferências e juntado os grupos, a gente nunca teria sido recebido.” 

A primeira COP das Baixadas foi realizada no bairro do Jurunas, em Belém, e estavam presentes o prefeito da época e um representante do Estado do Pará. Apesar do resultado não ter sido exatamente o esperado, o ativista entendeu que aquele espaço de troca foi muito proveitoso para a população. “Na ocasião, as lideranças colocaram as suas pautas. Infelizmente, naquela época, o prefeito não entendia muito bem da agenda do clima e não respondeu à altura, mas a gente criou esse ambiente onde as pessoas conseguem colocar pra fora, onde viram o documento, onde elas entendem. Acho isso mais  importante do que qualquer resultado físico. Uma vez que alguém tentou construir um documento, a gente ganhou a pessoa, não o documento. Uma liderança passou a estar envolvida. Agora a gente pode contar com ela, com o apoio dela, com a mídia dela, com o grupo dela dentro de uma agenda”, afirma o ativista.

Uma COP com as vozes da Amazônia

A COP não é só sobre a Amazônia, mas ter Belém como cidade-sede da trigésima edição não é algo para se desperdiçar. Uma grande diferença entre a conferência deste ano e as edições anteriores é a característica democrática do país se comparado ao Azerbaijão e aos Emirados Árabes, sedes das duas últimas COPs. Por isso, torna-se imprescindível a participação e pressão popular ao longo de todo o ano, não somente nas duas semanas do evento. Como pontuou Jean Ferreira:

“No Brasil, há essa expectativa muito grande, porque, mesmo em países ricos, existem grupos que também são afetados e  minorizados lá. Esses grupos também vão estar no Brasil, tentando se alinhar a uma agenda, ao mesmo tempo que o inchaço de problemáticas do próprio Brasil, de Belém e do Pará, também vai trazer essa vontade de colocar essas denúncias para fora, nesse lugar que é sim um lugar de visibilidade internacional. Então, eu imagino que a gente realmente tem esse poder nas mãos, mas isso não vai acontecer da noite pro dia. A gente precisa se mobilizar desde agora”. 

Os resultados da COP da Amazônia também atravessam questões políticas e econômicas dos países pertencentes à conferência, então as expectativas são de muitos embates – principalmente se considerarmos os discursos negacionistas climáticos de grandes nações como os Estados Unidos da América, cujo atual presidente anunciou recentemente a saída do Acordo de Paris. Isso pode afetar diretamente as mesas de negociações e reforça a importância de uma sociedade civil amazônida organizada que esteja se articulando para incidir sobre a COP30. Nesse contexto, é dever da comunicação ampliar nossas vozes até lá. Para Jean, “o legado é ganhar um pouco mais de relevância perante o mundo. Não tô falando só de Belém ou do Pará, estou falando nesse sentido geral que já tá acontecendo. Tô falando de grupos que não tinham tanta reverberação antes agora poderem fazer as suas articulações nacionais, serem enxergados pelo resto do Brasil e do mundo.”

O papel crucial da comunicação popular 

Segundo Marcos Wesley, comunicador popular e fundador do portal de notícias Tapajós de Fato, as vozes da Amazônia têm conquistado seu espaço: “ao longo dos últimos cinco anos, a gente tem percebido um boom de coletivos de comunicação popular, de redes de coalizão, que têm nascido do fortalecimento da comunicação de ONGs, de sindicatos, o que tem proporcionado um levante desse contexto de apresentar uma Amazônia a partir da sua realidade, a partir da sua narrativa”. O comunicador mostra um elemento crucial para a democratização do debate climático: a comunicação popular. 

Marcos considera que as agendas da COP precisam ser apresentadas de forma mais urgente para a sociedade civil, para conhecermos os termos, os acordos e o que está em jogo. No “Tapajós de Fato”, eles entendem esse compromisso e buscam atuar tanto na modalidade on-line, de onde surgiu o veículo, quanto off-line: “a gente também entendeu o nosso compromisso com quem não tem acesso à internet e criamos conteúdo off-line. Temos, por exemplo, as cartilhas, que se chamam Justiça Climática pelo Bem Viver, e o informativo O Curupira, que já abordou temas como saúde pública, agroecologia e vai falar agora sobre agrotóxicos, para trazer justamente esse contraponto nas narrativas, porque mesmo sem acesso a internet, a desinformação ainda chega”.

Quando questionado sobre os principais desafios enfrentados por ativistas amazônidas, Marcos respondeu: “Ser pautado (risos). Por muito tempo, os grandes veículos mundiais acabaram sempre dando maior atenção à galera da Europa, houve inclusive uma isenção da mídia brasileira. Beleza, Greta tocou o terror no mundo, né? Terror positivamente, pelo amor de Deus. Mas, sei lá, a gente esquece rotineiramente do Chico Mendes. E ele só foi notícia quando foi assassinado. Ele fez um monte de mobilização dentro do seringal dele, com o próprio corpo, para parar os maquinários. Chico Mendes recebeu prêmios internacionais de paz, de meio ambiente, e a mídia nacional nunca repercutiu isso. A gente teve a Margarida Maria Alves, que foi assassinada na frente do filho dela em 1982 por defender os direitos das pessoas à sua existência, e que também só se tornou notícia quando morreu.”

Imagem: Reprodução CITABT

Em um esforço para ocupar os espaços que são rotineiramente ignorados pela grande mídia corporativa, vimos recentemente o poder das mídias populares aqui na Amazônia. Os comunicadores independentes que cobriram desde o início a ocupação dos povos indígenas na Secretaria de Educação do Estado do Pará (Seduc) ampliaram as vozes daqueles que protestavam para que a Lei nº 10.820 fosse revogada e, no dia 12 de fevereiro de 2025, depois de muita organização popular e resistência, a revogação venceu por unanimidade na Assembleia Legislativa do Estado do Pará. Durante os protestos, as lideranças afirmavam que, sem a revogação, não haveria COP. Isso mostra como, desde já, podemos empoderar as pautas dos povos tradicionais da Amazônia por meio da comunicação.

A comunicação popular é estratégica para incluir a representatividade que ainda falta nas tomadas de decisões da COP. O movimento dos povos indígenas contra o retrocesso na educação mostrou que não há mais espaço para resoluções arbitrárias sem consulta popular e que, caso isso aconteça, haverá resistência. A presença das lideranças e influencers da periferia, ribeirinhos, indígenas e quilombolas nas redes sociais faz o mundo conhecer essas pessoas para além dos estereótipos que associam às populações amazônidas.

Ficha técnica:

Texto: André Furtado, Ayla Ferreira, Douglas Borges e Julia Ladeira

Edição: Gabriela Cardoso

Imagens: João Paulo Costa

Produção: Felipe Vilhena

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