
Por Kelvyn Gomes/Imagem: Carla Duncan
Indicada recentemente ao Prêmio PIPA, a artista paraense Carla Duncan é um dos nomes que vêm se destacando no circuito contemporâneo das artes. Nascida em Belém e atualmente morando em São Paulo, Carla constrói uma trajetória marcada por deslocamentos geográficos e simbólicos, transitando nos limites entre o figurativo e o abstrato, o real e o afetivo. O Portal Jambu conversou com a artista para conhecer mais o seu trabalho.
Carla Duncan tem uma trajetória que perpassa pelo muralismo e hoje se concentra na pintura. O ponto de virada, segundo a artista, veio em 2018, quando ela participou de um festival de graffiti. “Decidi que a arte seria meu caminho, encantada com o poder de expressão e transformação do espaço público”.
Mas a relação com a arte vem de antes. Foi a mãe, Cáritas Duncan, quem a apresentou o universo do desenho, estreitando os laços familiares. E mesmo apesar de um período afastada, enquanto cursava engenharia, Carla reencontrou no desenho uma forma de se reconectar consigo mesma. “Mesmo tendo seguido outro caminho, foi ela quem me apresentou esse universo”, conta. E depois de um hiato, “Voltei a desenhar como parte de um processo de autoconhecimento”, lembrou Carla.

Hoje, seu trabalho é influenciado por diversos artistas que vão da fotografia documental à pintura figurativa, passando pelas formas de apropriação urbana e pela própria paisagem amazônica. “A pesquisa em torno de territórios e da memória coletiva tem guiado muito do que faço”, explicou ao Portal Jambu.
Perguntamos a ela qual seu estilo de desenho, mas a artista prefere não definir com rigidez, até mesmo para se sentir mais livre, já que Carla considera que há uma busca por camadas visuais e simbólicas, que permitam múltiplas leituras. “Acho que meu trabalho transita entre o realismo figurativo e algo próximo do impressionismo. Tem uma vontade de captar o instante, a luz, o gesto, mas também de construir uma imagem carregada de memória afetiva”.
Morando em São Paulo há alguns anos, sua ida para o eixo centro-sul foi motivada pela vontade de ampliação do próprio repertório. “Vim pra cá pra expandir meu olhar, conhecer outras cenas, me colocar em movimento. A cidade te atravessa, te exige e te oferece ao mesmo tempo”.


Mas, apesar da distância, Belém segue como âncora afetiva e estética, estando sempre como ponto de referência para o seu fazer artístico, mesmo em sua produção paulista. A artista mantém vínculos ativos com sua cidade natal e com outras cidades da Amazônia, como Santarém e Manaus, onde parte de sua família reside. “Não é só uma escolha estética ou conceitual, é uma necessidade. Me interessa olhar pra essas cidades, entender os gestos cotidianos, as paisagens, as histórias que muitas vezes não estão nos grandes centros”, explicou.
O vínculo mantido com as origens se transforma também em um lugar de conexão, afeto e valorização do lugar de onde se vem. “Pintar sobre isso é uma forma de estar perto. Me interessa falar sobre as camadas que formam a cidade, sobre os espaços que resistem à gentrificação, os saberes populares, os encontros de rua. A memória é um corpo em trânsito também”.
Recentemente indicada ao Prêmio PIPA 2025, uma iniciativa do Instituto Pipa para reconhecer e premiar artistas visuais brasileiros indicados por um Comitê de Indicação, Carla confessa que foi pega de surpresa. A notícia veio por uma ligação do primo e também artista, Maurício Igor. “Foi um choque! Uma surpresa total. Fiquei uns bons minutos tentando entender se era verdade”.
Passado o “susto”, Carla destaca a importância da indicação como reconhecimento, incentivo e também como responsabilidade. “É um estímulo pra continuar, mas também um chamado pra seguir aprofundando as questões que me movem”.


Pra quem ficou interessado em conhecer mais sobre o trabalho da artista, ela sugere duas obras que se destacam como marcos em sua produção: “Margem” e “Debrum”. Ambas, diz ela, sintetizam temas recorrentes em sua pesquisa. Nessas pinturas, figuras humanas se misturam a estruturas arquitetônicas, formando imagens que oscilam entre o reconhecimento e a abstração. “Cada uma, de um jeito diferente, carrega elementos que venho investigando há um tempo: a relação com o território, com o silêncio e a memória. Quando a finalizei, senti que ali havia uma síntese do que busco”.