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Financiamento, justiça climática, transição energética, impactos sociais, tecnologias de energia renovável, soluções de baixo carbono, preservação de florestas e biodiversidade. Esses são alguns dos temas esperados a serem abordados na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, a COP 30, que ocorre em novembro deste ano, em Belém.

Por Ryan Reis, com Entrevistas de Gustavo Vilhena e Thiago Lobato, Produção de Joyce Silva, Samara Rebeca e Samilly Santos

/Imagem: Divulgação

O evento pretende colocar a Amazônia no centro das discussões globais sobre mudanças climáticas e englobar todo o contexto amazônico. Além disso, a conferência representa um momento de avaliação dos acordos estabelecidos nas edições anteriores, funcionando como uma prestação de contas. O que foi cumprido? O que não foi? E o que foi desfeito ao longo do tempo? 

A experiência de estar na Amazônia será um choque para muitos. Em COPs anteriores, como a realizada em Dubai, em 2023, o cenário era artificial. Agora, os visitantes estarão diante de uma natureza autêntica, com rios e florestas reais. Isso desperta o interesse de alguns países que estão comprometidos com a regeneração ambiental. Embora haja nações que já devastaram seus próprios territórios, algumas estão buscando um processo de recuperação e democratização ambiental. Nesse contexto, o Brasil tem a chance de assumir um papel central na COP 30, garantindo que a conferência não seja dominada por interesses externos. O país tem potencial para liderar essa discussão de forma soberana e se posicionar como protagonista na preservação ambiental global.

Coletivo nacional de comunicação MAB

Entretanto, a COP 30 não se resume apenas ao evento principal. Enquanto líderes mundiais negociam acordos, movimentos sociais amazônicos lutam para garantir que suas vozes e projetos tenham espaço na conferência, com suas reivindicações para implementação de políticas para projetos ambientais e mobilizações sociais. Para entender mais sobre as mobilizações dos movimentos sociais para a COP 30, entrevistamos duas ativistas que estão à frente de reivindicações políticas ligadas à justiça climática: Suane Barreirinhas, analista de projetos do Instituto Update, e Jaqueline Damasceno, integrante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).

Desafios para Projetos Ambientais e Mobilização de Movimentos Sociais  

Um dos principais obstáculos para a implementação de projetos ambientais é o sistema capitalista. Apesar de haver um esforço para preservar espaços naturais, como a floresta amazônica, o foco desse sistema econômico está na exploração desses territórios para obtenção de lucro, seja através da extração de petróleo, da construção de usinas ou de outras atividades que degradam o meio ambiente.

Nessa disputa, o capital acaba prevalecendo, pois há uma estrutura política falha que favorece os interesses econômicos em detrimento da preservação ambiental. As eleições recentes trouxeram resultados preocupantes, evidenciando a falta de prioridade para pautas ambientais. Muitas vezes, os projetos que impactam o meio ambiente são defendidos com o argumento de que geram empregos e movimentam a economia. No entanto, é essencial ampliar o debate e mostrar que a questão ambiental não se trata apenas de desenvolvimento econômico, mas de sobrevivência.  

Ao ser questionada sobre como os projetos locais serão abordados durante a COP 30, a ativista Suane Barreirinhas explica que os movimentos sociais já estão se organizando coletivamente para ter incidência no evento e em seus espaços paralelos. A COP não é um evento isolado e já está sendo vivida desde agora, com os movimentos sociais aproveitando o momento para colocar suas pautas, demandas e interesses em evidência. “Mas, eles sabem que dentro das salas fechadas da conferência a influência direta é limitada. A verdadeira disputa acontece nas ruas, nos territórios e nas manifestações. É dessa forma que a incidência política se concretiza”, diz.

Reprodução Instagram @suanebarreirinhas

Até a COP 26, que ocorreu em Glasgow, em 2021, todas as conferências contaram com manifestações populares. Mas, nos últimos anos, houve um problema. As últimas três COPs ocorreram em países com democracias frágeis, onde não foi permitido protestar livremente. Agora, a COP 30 tem potencial para ser uma COP popular, uma conferência onde será possível incidir, participar e agir. “Precisamos entender o funcionamento institucional da COP, que é dividida em zonas. Temos a zona verde, onde a sociedade civil pode estar presente, mas com restrições, como horários marcados para manifestações. Por exemplo, se o MAB quiser protestar às 15h de um determinado dia, precisa agendar esse horário”, explica.

Entretanto, a realidade pode ser diferente em Belém. A organização formal pode ser desafiada e a mobilização coletiva acontecer no momento em que for necessário, sem depender de horários pré-determinados. Além disso, é preciso aprender com o contexto político recente. Houve momentos em que alguns movimentos perderam a oportunidade de se unir a lutas coletivas, como a questão dos povos indígenas. Quem não aproveitou aquele momento, agora enfrentará mais dificuldades, e é algo que precisa ser considerado. A luta é coletiva, e a mobilização deve acontecer de maneira conjunta e estratégica. 

Outro ponto essencial abordado é a discussão sobre as grandes obras e projetos de infraestrutura. Todos os governos, independentemente da ideologia, adotam uma pauta desenvolvimentista e apresentam obras como progresso. “Aqui na região, temos o projeto da hidrovia Araguaia-Tocantins. Esse projeto pretende facilitar o transporte de commodities como soja e minério. Para isso, querem explodir o Pedral do Lourenção, no município de Itupiranga, além de realizar dragagens no rio para permitir a passagem de barcaças”, comenta Jaqueline Damasceno, integrante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).

O MAB é um movimento nacional e popular presentes em 20 estados brasileiros. Ele nasceu da contradição nas construções das grandes barragens, onde pessoas foram expulsas dos seus territórios e tiveram seus direitos violados. A partir disso, começaram a se organizar na luta por direitos. Hoje, ele atua tanto nos casos de barragens quanto no contexto da crise climática e de outros grandes projetos.

Para Jaqueline Damasceno explica, o discurso usado para justificar a obra da hidrovia Araguaia-Tocantins é que a iniciativa reduziria a emissão de carbono ao diminuir o número de caminhões transportando carga pela rodovia, mas não é essa a realidade. Os caminhões não vão deixar de circular, eles apenas terão mais uma opção de transporte. O que realmente acontece é o aumento da produção de soja, do transporte e, consequentemente, da destruição ambiental sob o pretexto de sustentabilidade. Sendo esse um dos discursos contraditórios que os movimentos sociais enfrentam.

Além disso, os movimentos veem a COP 30 como uma oportunidade única para ampliar o debate sobre a pauta climática. “O jornalismo brasileiro tem agora um momento propício para ampliar esse debate. Os movimentos sociais que lutam por justiça climática também enxergam na COP 30 um espaço estratégico para fortalecer suas reivindicações”, diz Suane Barreirinhas.  

A Comunicação como Ferramenta Estratégica Política

Embora a mobilização de movimentos sociais tenha seu aspecto espontâneo, é fundamental entender o cenário político e midiático para agir no momento certo. Atualmente, o Estado não favorece institucionalmente a comunicação dessas organizações e ao acompanhar as notícias é perceptível qual o tom da comunicação oficial governamental. Para os movimentos sociais, é importante que a comunicação seja uma prioridade, não algo secundário. Existem 17 iniciativas sociais em Belém envolvidas com a COP 30, e mesmo com a diversidade de grupos, a comunicação foi uma das maiores preocupações.

Muitas vezes, os movimentos deixam a comunicação para o final, apenas quando percebem que precisam divulgar algo. Mas ela deve ser pensada desde o início, pois é o meio que leva suas pautas e reivindicações para a população. Para Suane Barreirinhas, é preciso ampliar essa voz e fortalecer espaços para ensinar, aprender e divulgar o que está sendo feito. “A gente precisa estar atento a uma coisa, quem deve pautar a narrativa somos nós, que estamos aqui. O simples fato de estarmos aqui já nos coloca como comunicação alternativa. Nós já estamos nesse lugar, porque quase ninguém do Sudeste nos ouve”.

A ativista reflete sobre o papel da comunicação e a sua imparcialidade. “No Brasil, a comunicação tem lado, tem posicionamento, tem uma construção política. Precisamos encontrar caminhos alternativos para furar essa barreira. Os movimentos sociais também precisam reconhecer a comunicação como um espaço estratégico e virar essa chave. Se conseguirmos fazer isso, podemos avançar muito nesse campo”, comenta Suane Barreirinhas.

Jaqueline Damasceno, integrante do MAB, usa o movimento indígena como exemplo de fortalecimento, estratégia e conquistas. “No campo da comunicação eles deram um verdadeiro show. Durante as manifestações (na SEDUC), a comunicação foi tão bem-feita que todos conseguiam acompanhar os acontecimentos em tempo real. A mobilização saiu da bolha, ultrapassou os limites do Pará e até do Brasil. Isso nos animou a imaginar outras formas de mobilização e disputa”, diz.

Reprodução Instagram @jaquesoubrasileira

Entretanto, enquanto alguns movimentos ganham visibilidade, outros permanecem invisibilizados, como os movimentos sociais ligados à Via Campesina. Isso acontece porque muitos desses movimentos têm origem camponesa e ainda mantêm um perfil tradicional, com lideranças mais velhas que nem sempre compreendem a importância da comunicação. Além disso, há o histórico de criminalização desses movimentos. Essa diferença no tratamento é fundamental para entender os desafios enfrentados.

Construção Coletiva

Um dos maiores desafios enfrentados pelos movimentos sociais é a construção coletiva. O MAB está participando da organização da Cúpula dos Povos, que reúne movimentos sociais e organizações da sociedade civil para debater temas de interesse público. O evento envolve diversas organizações, e chegar a consensos é difícil. São discutidas palavras, locais e estratégias, o que exige negociação. Apesar de ser mais fácil que cada grupo faça o seu próprio evento, nesse momento é preciso de unidade, mesmo que um dos maiores desafios da esquerda mundial seja a união.

O trabalho feito por Jaqueline Damasceno tem buscado o fortalecimento de alianças e ajuda às organizações para darem um salto de qualidade. O MAB está organizando o 4º Encontro Internacional de Atingidos por Barragens e pela Crise Climática. Esse evento acontecerá dias antes da COP 30 e reunirá atingidos do mundo todo, dentro da articulação do Movimento de Afetados por Represas (MAR), uma organização internacional que o MAB integra.

“Virão participantes de diversas partes do Brasil, pois a crise climática atinge diferentes regiões de maneiras distintas: no Nordeste, há o impacto dos parques eólicos; no Sul, as enchentes; e na Amazônia, as questões das hidrelétricas e mineração. No entanto, a maior parte do público será do Pará, pois essa é a região mais diretamente afetada pelas discussões que acontecerão durante a COP”, explica.

Apesar das dificuldades estruturais que a cidade tem enfrentado para hospedar pessoas de fora do estado que pretendem vir para o evento, os movimentos de fora da capital paraense estão dispostos a se adaptarem a qualquer lugar disponível, contanto que promovam reivindicações e conquistem vitórias relevantes. Jaqueline afirma que se os governos não garantirem o mínimo necessário, será preciso lutar também por esse direito. “Se for preciso, faremos ocupações em espaços públicos para garantir um lugar para dormir. Isso significa mais trabalho, mais dedicação e mais desafios, mas a disposição e a vontade de lutar são enormes”.

Imagem Nane Camargo

Suane Barreirinhas diz que é preciso encarar essas questões de forma crítica e entender quais são os próximos passos, principalmente quando a destruição da Amazônia continua acontecendo. Agora que o mundo voltará os olhos para Belém, os participantes da conferência poderão ver de perto a realidade da floresta e a realidade social, para compreender a importância da Amazônia em suas diversas camadas.

“O governo pode até tentar vender a COP 30 como um evento festivo, mas o que está em jogo são pautas fundamentais para a Amazônia e para o mundo. Por isso, temos buscado articulações não apenas dentro da Amazônia, mas também com outros biomas e movimentos de todo o Brasil. O desafio é enorme porque precisamos tornar essas discussões acessíveis e compreensíveis para o maior número de pessoas possível, mas vamos continuar tentando”, conclui.

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