Na próxima segunda-feira, 3 de março, a Escola de samba carioca Grande Rio vai levar o Pará para a Marquês de Sapucaí com o enredo “Pororocas Parawaras: As Águas dos Meus Encantos nas Contas dos Curimbós”.
O samba que vai embalar o desfile é uma composição de Mestre Damasceno, Ailson Picanço, Davidson Jaime, Tay Coelho e Marcelo Moraes, e foi escolhido em uma disputa acirrada promovida pela escola do grupo especial. O Portal Jambu foi conhecer a história por trás do samba-enredo “A Mina é cocoriô!”.

Por Kelvyn Gomes/Imagem: Divulgação
A trajetória do samba que vai levar o Pará à Sapucaí
Desde que foi anunciado em maio do ano passado, o enredo da Grande Rio para o carnaval deste ano, uma efusão de sentimentos e expectativas tomaram conta dos paraenses, mesmo não sendo a primeira vez que a cultura do estado tenha sido eleita como tema para desfilar no carnaval carioca. A euforia se dava também porque a Acadêmicos da Grande Rio havia sido campeã em 2024.
Além do ofurô, por conta do enredo, a escola, em parceria com a Escolas de Samba Associadas (ESA) e a Secretaria de Cultura do Estado do Pará (Secult) promoveram seletivas não apenas no Rio de Janeiro, como no Pará. “A história toda do samba do carnaval desse ano, é bem diferente, porque teve essa seletiva aqui em Belém, porque geralmente ela acontece só no Rio de Janeiro com os compositores que se inscrevem pra participar lá”, é o que conta Tayana Coelho, uma das compositoras do samba campeão do concurso.

A composição, uma parceria entre Mestre Damasceno, Ailson Picanço, Davison Jaime, Tay Coelho, Marcelo Moraes, representando a escola de Samba Deixa Falar, do grupo especial de Belém, foi o grande escolhido para embalar a Grande Rio na Marquês de Sapucaí na próxima terça-feira, 04 de março. Ailson Picanço foi o responsável por reunir o grupo para criar a música que logo caiu no gosto da comunidade de Duque de Caxias, onde a escola é sediada.
“O Ailson, que montou o nosso grupo, tava num grupo lá no Rio e aí com a proposta de ser por Belém, ele desistiu desse grupo lá e aceitou o convite da Deixa Falar, pra compor o samba pra defender a escola, né? E chamou as pessoas daqui. Então a gente juntou essas pessoas num grupo no whatsapp e foi construindo em cima de uma ideia inicial do Ailson, que ele teve vindo de Brasília pra Palmas e aí em cima dessa ideia dele a gente foi inserindo nossa cultura aos poucos”, conta a compositora.
Ícone da cultura paraense, a cantora e compositora Dona Onete foi a grande Referência do grupo. Inspirados por suas canções icônicas que trazem em suas letras aspectos diversos da cultura paraense, os compositores partiram da música “Quatro contas”, recém lançada pela artista marajoara. Além das conexões com as músicas da compositora de Cachoeira do Arari, outros aspectos da cultura paraense foram sendo mesclados na construção do samba. “Tem outras menções também à Paulo André e Ruy Barata, a gente fez algumas menções aos ritmos, que é o carimbó”, explica Tay.

Mestre Damasceno, compositor e intérprete marajoara, reconhecido por suas letras que destacam o cotidiano e a vida em Salvaterra, no Marajó, e outro dos compositores do samba, relata também que “o samba cocoriô é uma inspiração do linguajar dos antigos. A gente ouve a história respira e pensa como vai fazer”, conta. “Falam os antigos que quando começava a Umbanda, começava às nove da noite e ia até o primeiro cantar do galo. E o Tambor de Mina que a gente tem no Pará é a encantaria da região amazônica”, explicou o mestre.
Uma história secular, um enredo moderno
Composto a várias mãos principalmente em um grupo de whatsapp, o samba, como destaca Marcelo Moraes, um dos compositores, tem na oralidade das histórias contadas na Amazônia, seu Norte. Ele explica que desde o enredo criado pelos carnavalescos Leonardo Bora e Gabriel Haddad, a transmissão oral dos saberes, dos costumes e da cultura foi referência para as criações que a Grande Rio vai apresentar na Sapucaí. “É um enredo baseado na oralidade! Onde os carnavalescos criaram essa sinopse baseado em relatos, em vivências, em histórias do nosso povo, né? Então um enredo riquíssimo!”. As histórias a qual Marcelo se refere são relatos sobre as encantarias amazônicas sincretizadas com a religiosidade africana.
A tradição conta que Mariana, Jarina e Herondina eram três princesas turcas que, fugidas das guerras santas, se perderam no caminho para a Mauritânia e vieram parar em águas amazônicas. O navio em que viajavam as princesas naufragou atravessando o Portal da Encantaria e as três princesas foram salvas pelo vodum Toiá Verequête, o senhor das espumas, habitante das águas. Em sua saga pelo Marajó elas foram “ajuremadas” pela cabocla Jurema, tornando-se também caboclas protetoras da natureza.
Essas referências, histórias e tradições são evocadas em cada uma das estrofes do samba que ganhará a avenida na próxima semana. Uma narrativa mística e poética, que conecta as encantarias amazônicas às lendas e espiritualidades de além-mar. O samba começa com a travessia das belas turcas, que, fugindo das Cruzadas, são envolvidas pelo encanto da Lua Crescente, símbolo presente na bandeira da Turquia, e guiadas até as águas amazônicas.

Ao chegarem, encontram refúgio na encantaria e são acolhidas por entidades do Tambor de Mina, como o vodum Averequete, associado à espuma das águas. A pororoca as conduz para o fundo dos igarapés, onde conhecem os caruanas, os botos e a Mãe-d’Água. A jornada pelas águas segue permeada por referências à música e à mitologia amazônica, como a citação ao puraqué (peixe elétrico) e à Cobra Grande, que, ao se agitar, forma o banzeiro, evocando a música de Dona Onete.



As três princesas, Mariana, Jarina e Herondina, transformam-se em figuras encantadas, associadas a animais da floresta: a arara cantadeira, a borboleta e a onça do Grão-Pará. Recebidas nos terreiros do Tambor de Mina e do Babacuê, elas “baiam” (dançam) ao som dos tambores, absorvendo os mistérios e saberes ancestrais.

Encantadas e ajuremadas, passam a guiar aqueles que as procuram nos ritos sagrados. Suas “espadas” de cetim cruzam caminhos e exalam o perfume das ervas da Jurema, misturando a tradição da Turquia com os aromas amazônicos. Nos terreiros, o perfume de patchouli se une à brasa dos defumadores, enquanto os mestres do carimbó batucam sua fé em resistência cultural.


Por fim, a história contada no samba se encerra com um chamado à comunidade caxiense para incorporar a força do enredo e fazer a passagem na Sapucaí como em uma gira.