
Foto: Monotour Turismo
Faltando cerca de 9 meses para a COP 30, todas as atenções estão voltadas para Belém, cidade que irá sediar a conferência. Uma das primeiras características observadas na capital paraense, no que se refere à organização das obras para a recepção do maior evento climático mundial, é a questão das reformas e construções que estão sendo realizadas de forma muito acelerada e sobre como isso impacta no cotidiano da população e no que afetará posteriormente ao evento.
Além disso, a conferência movimentará o turismo em Belém, com a expectativa da chegada de mais de 50 mil pessoas na cidade para participar do evento. Apesar dos pontos turísticos e da culinária única, o turismo em Belém tem que ser visto de forma consciente e responsável, já que muitas das vezes se torna predatório e não harmônico com o meio ambiente, poluindo os rios e invadindo os espaços preservados pelas comunidades tradicionais, contrapondo tudo o que é tratado durante a COP 30, encontro global que reúne representantes e líderes de diversas nações que discutirão sobre o meio ambiente e os impactos da crise climática no mundo, estabelecendo compromissos entre as nações para tentar solucionar a problemática do clima.
Dito isso, é preciso perguntar: qual o legado que a COP 30 deixará em Belém? Para falar sobre o assunto, entrevistamos duas personalidades que estão à frente da discussão: a professora de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Pará (UFPA), Dra. Ana Cláudia Cardoso, que fala sobre as inúmeras obras que estão sendo feitas pela cidade e a implicações das mesmas para o meio ambiente e para a população, dando ênfase para uma visão sustentável para Belém; e a profissional de turismo Raquel Ferreira, proprietária da agência de turismo Monotour, que mostra como o turismo pode fugir do mercadológico estruturado no capitalismo para um turismo sustentável que abrace as comunidades tradicionais e a cultura ancestral de Belém, contrapondo os incentivos capitalistas que estão sendo feitos para a cidade mediante à esse evento de grande porte.
Agilidade para a entrega das grandes obras
Um dos maiores desafios para a COP 30 é sanar os problemas estruturais da cidade, em função, especialmente, do turismo massivo previsto para além dos pontos turísticos da região. O motivo para isso deve-se à questão de que Belém precisa ser vista como uma vitrine de cultura e beleza, então consequentemente, é necessária uma certa rapidez para a entrega destes trabalhos antes do mês de novembro.
Segundo a professora Ana Cláudia Cardoso, o modo apressado e frenético da construção de algumas obras pode gerar efeitos negativos futuros para a população belenense. “A gente ter que fazer as coisas de uma forma muito rápida, normalmente, requer queima de etapas, logo fica mais difícil de conseguirmos detalhar as etapas e os processos que precisam acontecer. Então, tem consequências que não estão sendo previstas, a gente não está vendo sistemicamente a situação”, explica Ana Cláudia.

Foto: Aryanne Almeida
Apesar de algumas obras na região metropolitana de Belém estarem a todo o vapor, outros locais da cidade ainda carecem de investimentos direcionados à acessibilidade, que estrategicamente precisam de reparos e resoluções. “A gente precisa de muito investimento para resolver problemas de metade da cidade, que é metade da produção informal, onde há carência de soluções de mobilidade, soluções de saneamento, onde a gente precisaria ter mais espaços públicos, condições de caminhar”, ressalta a professora.
“Tinha que se estar pensando em trabalhar a gestão do lixo de uma forma a criar situações de compostagem e a matéria orgânica gerar insumo para a produção de hortas e de alimentos na forma mais próxima possível das pessoas, inclusive sem agrotóxico. A gente teria aqui a possibilidade de reimaginar Belém numa perspectiva bem mais sustentável, se nós pudéssemos de alguma forma interferir nessa distribuição de recursos. Eu acredito que se a gente começar a pensar nisso, já será bom, mas infelizmente, estamos perdendo esse momento”, relata Ana Cláudia.
Para além desses pontos negativos, há também diversos pontos positivos que estão sendo percebidos com relação à arquitetura de Belém, como a recuperação do Mercado de São Brás, a implementação do Parque da Cidade, a melhoria nas obras do BRT e, principalmente, os coletivos elétricos que auxiliam na diminuição de gases do efeito estufa no planeta. “A perspectiva de ter os ônibus elétricos é muito importante porque a gente tem a emissão de CO2 como uma contribuição muito grande de Belém para o desequilíbrio climático. Então, começar renovar essa frota e melhorar as condições de transporte também é uma questão positiva, mas ainda assim a gente tem outras coisas que poderiam ter sido feitas de outra forma ou poderiam ter sido dado a indicação de novos caminhos”, almeja a arquiteta.
Crescimento turístico e os desafios da sustentabilidade
Antes de ser escolhida para sediar a COP 30, Belém não figurava entre os destinos turísticos mais procurados do Brasil. Eram poucas as pessoas que incluíam o Pará em seus roteiros, e a cidade das mangueiras, das chuvas da tarde, do calor, do RexPa e do tacacá permanecia, em grande parte, fora do radar turístico. No entanto, com a expectativa de receber milhões de visitantes em 2025, a capital paraense passou a ser vista sob uma nova ótica, despertando interesse por sua cultura, gastronomia e paisagens naturais.
Mas, para além do reconhecimento e da oportunidade de “furar a bolha”, é necessário refletir sobre os impactos do turismo de massa. A curto e longo prazo, essa movimentação pode transformar a cidade, exigindo um olhar atento para que o desenvolvimento turístico não se restrinja a uma lógica capitalista predatória. O desafio é promover um turismo sustentável, que valorize as comunidades tradicionais, respeite a cultura ancestral e fortaleça a economia local, sem abrir mão da preservação ambiental e do bem-estar da população.
À primeira vista, pode parecer um desafio quase impossível equilibrar turismo e preservação ambiental, mas Raquel Ferreira, proprietária da Agência de Turismo Monotour, prova que é possível promover experiências turísticas sustentáveis. Em uma região de rica biodiversidade, não se pode pensar no turismo de forma desordenada, sem considerar a sustentabilidade e a responsabilidade social.

Foto: Monotour Turismo
“A maior parte do público que virá à cidade durante a COP 30 não busca uma imersão ou interação genuína com a cultura local. Muitos querem apenas conhecer o ‘exótico’ de maneira superficial. Além disso, trata-se de um evento voltado a autoridades, que possuem agendas restritas e pouco tempo para interagir com espaços de visitação”, explica Raquel.
Apesar da recente visibilidade que a cidade ganhou, o turismo de massa já é uma realidade em Belém, especialmente com a chegada de cruzeiros, que desembarcam centenas de turistas de uma só vez para visitas rápidas à floresta e experiências culturais. “Essa quantidade excessiva de pessoas adentrando territórios e pontos turísticos já demonstra ser nociva em várias partes do mundo. Os impactos negativos podem ser tanto ambientais quanto culturais. Então, o turismo é positivo, mas ele não é somente positivo, ele pode, sim, trazer consequências prejudiciais”, alerta a empreendedora.
No Combu, uma das ilhas mais visitadas da região, o intenso fluxo de embarcações já está deixando marcas evidentes. Barcos que transportam turistas para restaurantes e passeios contribuem para a degradação do ecossistema local. A poluição causada pelo óleo das embarcações e o cloro despejados nas águas tem reduzido drasticamente a presença de peixes e camarões, afetando a subsistência das comunidades ribeirinhas.
Além dos impactos ambientais, a cultura local também vem sofrendo alterações significativas. Segundo Raquel, o banho de rio e as rodas de carimbó estão sendo substituídas por piscinas artificiais às margens do Guamá e por festas em lanchas com música eletrônica. A presença desenfreada dessas embarcações também representa um risco para os moradores, que dependem de pequenas canoas para se locomover.
“Quem vem de fora se sente no direito de fazer o que quiser com o território, extrai o que deseja e desconsidera o impacto sobre quem vive ali. Moradores relatam situações constrangedoras, como atos obscenos sendo praticados em frente às suas casas à beira do rio. As consequências não são apenas ambientais, mas também sociais. As pessoas que vivem há décadas no local estão perdendo o direito ao lazer, que passa a ser apropriado por visitantes, enquanto a própria comunidade é excluída”, destaca Raquel.
Diante desse cenário preocupante, a solução pode ser mais simples do que parece: o ecoturismo. No entanto, segundo Raquel, essa abordagem ainda não tem recebido a devida atenção na COP 30.“Eu não vejo [turismo e sustentabilidade] como conceitos separados. Se eu trabalho com turismo e a sustentabilidade não está aliada às minhas práticas, eu estou apenas levando pessoas para depredar territórios, espaços, pessoas e culturas. O turismo para mim é sustentável”, afirma.
Além da preservação ambiental, a sustentabilidade no turismo também passa pelo respeito e valorização das comunidades locais. “Quando eu vejo uma prática turística que não está alinhada com a sustentabilidade, entendo que o turismo eficaz não está acontecendo. A sustentabilidade envolve tanto o impacto ambiental quanto o reconhecimento do trabalho e do serviço das pessoas que vivem nessas comunidades”, acrescenta.
Para Raquel, é essencial que o turismo leve em conta o tempo e os recursos dos moradores. “Se eu paro na casa de um ribeirinho para uma vivência ou para tomar um banho de rio, estou ocupando o tempo dele. Esse é um serviço que precisa ser remunerado. Se não há uma compensação justa, se existe a ideia de que ele é um ‘desocupado’ apenas por viver na ilha, então não estamos falando de um turismo sustentável”, enfatiza.

Foto: Monotour Turismo
Ela acrescenta que não existe turismo que não esteja de mãos dadas com a sustentabilidade. E, diante da visibilidade global que Belém ganhará com a COP 30, essa reflexão se torna ainda mais urgente. O desafio é garantir que o evento não seja apenas um impulsionador do turismo de massa, mas sim um catalisador para um modelo de turismo que respeite o meio ambiente, fortaleça as comunidades tradicionais e preserve a riqueza cultural da região.
Ficha Técnica:
Texto: Evelyn Ludovina, Giovana Rodrigues e Victoria Rodrigues
Entrevistas: César Vieira e Elizabete Nascimento
Produção: Rafael Arcanjo e Francicléia Ramos