A moda não é apenas sobre tendências, roupas ou acessórios. É também um veículo para questionar padrões, desconstruir narrativas e reimaginar o mundo em que vivemos. As roupas, mesmo aquelas que usamos no dia a dia, criam identidades, representações e podem expressar nosso estado de ânimo para o mundo. Para entender melhor os caminhos e descaminhos da moda, sobretudo aquela feita no Norte, cultura e política, o Portal Jambu conversou com o escritor e estilista paraense Petrvs Figueira.

Por Kelvyn Gomes/Imagem: Divulgação
Moda como um ato político

Bacharel em Moda, com MBA em Marketing, Petrvs Figueira enxerga sua arte como uma ferramenta de reflexão e transformação. “Faço reflexões através de diversas linguagens como a escrita, o desenho e, especialmente, a moda”, afirma ele, enfatizando que seu trabalho está ancorado em questões sociais, políticas e culturais, com raízes profundas na Amazônia. Petrvs acredita que a moda é uma das formas mais poderosas de comunicação não verbal. Para ele, cada escolha estética carrega uma mensagem, consciente ou inconsciente, e reflete valores, crenças e posicionamentos. “A roupa é um meio de comunicação. Estamos todos dizendo algo ao mundo, quer percebamos ou não”, destaca.
Imagem: Arquivo Pessoal
Essa visão ganha ainda mais força em um contexto de mudança de paradigmas onde preconceitos já não são mais toleráveis e as mídias sociais ajudaram a diversificar o debate. “Sinto que nossa geração está contestando a experiência dos anos 90, quando os preconceitos eram um entretenimento televisionado. Hoje, há muito mais questionamento da sociedade e uma exaltação da diversidade. Isso é muito necessário”, reflete.
Através de suas criações, Petrvs não apenas veste as pessoas, mas as transforma em mensagens ambulantes. “A moda tem o poder de desconstruir ideias e construir outras novas. É uma ferramenta política, porque mexe com percepções, padrões e identidades”.
O engajamento de Petrvs com temas sociais e políticos começou cedo, mas foi em 2006, com o projeto “Destruction”, que ele deu o primeiro passo concreto nessa direção. A coleção abordava a degradação ambiental, um problema latente na Amazônia e no mundo. Desde então, arte e política se tornaram centrais e inseparáveis em seu trabalho.



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Seu projeto mais recente, “Rogai”, de 2023, explora a tolerância religiosa, um tema complexo e carregado de tabus. “Faz tempo que entendi que as artes podem nos ensinar muito sobre nós mesmos, especialmente a entender que ser diferente não é errado. A auto aceitação é um ato de resistência pessoal e nos faz perceber o que importa também para os outros”, explica.
Atravessando padrões
A crítica ao status quo é uma constante no trabalho de Petrvs. Ele critica as normas que sustentam o consumismo e a busca pela perfeição estética a partir de sua produção autoral. “Ainda vivemos em um tempo cheio de hipocrisia, maniqueísmo e adoração à beleza inatingível que nos estimula ao consumo compulsivo. Os padrões impostos nos mantêm infelizes, e a moda girava em torno disso por muito tempo”, afirma.
Em suas peças, Petrvs afirma que explora as imperfeições e vulnerabilidades humanas, desafiando o olhar convencional sobre a moda e o mundo. Ele se inspira no que muitos não consideram como algo bonito: o cotidiano das periferias, o trabalho informal, os muros pichados, a poluição visual das redes elétricas em Belém. “Tento dar protagonismo às minorias. Vejo beleza no que é ordinário. Não digo que está tudo bem, mas essa é a minha forma de ser honesto com o que vejo e sinto”, declara.
No entanto, ele ressalta que ser honesto em sua visão nem sempre é fácil. Petrvs já enfrentou reações negativas, especialmente ao tocar em temas religiosos. “As pessoas ainda são muito sensíveis às abordagens artísticas sobre religião. Mesmo que eu faça com cuidado, haverá crítica”, diz.
Moda sustentabilidade na Amazônia
Criar moda na Amazônia é um desafio por todas as questões logísticas e politicas que envolvem fazer arte na região. Segundo Petrvs, a região ainda enfrenta exclusão em oportunidades e investimentos no setor. “Precisamos criar alternativas para contornar limitações de várias dimensões da produção. Sei que isso ocorre em outras regiões, mas aqui no Norte somos regularmente excluídos de oportunidades e direitos”, aponta.

Mesmo diante dessas adversidades, Petrvs vê a Amazônia como uma fonte inesgotável de inspiração. Seu mais recente projeto “Amazo Rain”, lançado em 2024, explora a criatividade da região e reflete sobre a valorização e preservação da cultura local. “A doutora em design, Sâmia Batista, nos apresentou o conceito de ‘Garimpagem Cultural’, que descreve como apropriações da nossa cultura lucram sem dar créditos aos nossos saberes e processos. Extraem nossos bens (i)materiais e nos deixam apenas um buraco existencial. Precisamos estar atentos a isso agora”, alerta.
Imagem: Arquivo Pessoal
Além disso, Petrvs enfatiza a importância da sustentabilidade como um princípio essencial para a moda na Amazônia. “Considero que todo projeto realizado na Amazônia deveria ter medidas de sustentabilidade. Isso não se limita a evitar poluentes ou matéria-prima animal, mas também a olhar para as comunidades e práticas éticas. Felizmente, temos muitos criadores comprometidos com isso. Talvez achem que ainda estamos brincando de fazer moda, mas queremos mudar o mundo”.
O futuro da moda na Amazônia
Depois de mais de 20 anos de carreira, Petrvs busca um outro nível de expressão criativa. “Já não estou falando apenas sobre roupas, mas sobre quem nós somos. A moda é resistência, é identidade, é um espelho que reflete nossas lutas e nossas esperanças”.
Para ele, a moda é uma forma de construir narrativas e transformar realidades. “Ainda é possível ser original aqui, neste lugar tão distante de tudo e cheio de inspirações. Estamos no meio da maior floresta do mundo, cercados por riquezas culturais e sociais únicas. Isso nos dá uma força enorme para criar. E enquanto houver pessoas dispostas a ouvir e vestir nossas histórias, a moda continuará sendo uma ferramenta de resistência e transformação”.
Ao falar com jovens criadores, Petrvs é categórico e defende que autenticidade deve vir antes de estratégias de marketing. “Não crie pensando em redes sociais e influenciadores. Crie para pessoas reais que possam se identificar com seu propósito e desejem vestir até uma camiseta branca da sua marca. Curtidas não pagarão suas contas”, aconselha.