A vernissage, tradicionalmente, marca a abertura de uma exposição de arte. O termo vem do último retoque de verniz que os artistas aplicavam em suas obras antes de mostrá-las ao público. Esse momento, que originalmente reunia um seleto grupo de pessoas, tinha um duplo propósito: não só exibir as obras, mas também criar oportunidades de networking entre artistas e uma “elite cultural”. Embora esse ritual tenha se tornado mais comum a partir do século XIX, especialmente em Paris, a prática sempre esteve atrelada à exclusividade. O que nos leva a refletir: em tempos de discursos sobre a democratização da arte, essa exclusividade ainda faz sentido?
Por Andrey Leão/ Edição: Kelvyn Gomes/ Imagem: Jean-André Rixens, 1890
Quando entrei no curso de Museologia, na Universidade Federal do Pará (UFPA),mais ou menos em 2014, comecei a participar de encontros, eventos, palestras e suas vernissages, por entender a importância desses momentos na formação de uma visão crítica sobre a arte e a sociedade. Além do mais, para alguém da periferia, como eu, a vernissage era um espaço de trocas e compartilhamentos. Eu tinha acesso ao artista, à sua obra e a uma rede de contatos que ajudava a me inserir no circuito cultural da cidade. Nos últimos anos, no entanto, ao frequentar as vernissages de Belém, cidade de onde falo, passei a observar que esses eventos se tornaram um ponto de encontro de artistas, mas também de um processo, muitas vezes, nada sutil, de segregação.
Um movimento que vejo com certa preocupação, um retrocesso, que parece ir na contramão da abertura e da democratização da arte. Com a crescente visibilidade da Amazônia e sua centralidade nas discussões globais, especialmente no contexto da COP 30, Belém tem sido palco de grandes exposições, não apenas aquelas focadas na própria região, como aquelas que buscam promover uma espécie de intercâmbio cultural. Contudo, suas vernissages, muitas vezes, continuam a reforçar a exclusividade de um determinado público.
A exclusividade da “noite de abertura”, cria uma divisão sensível, entre os convidados e os “outros”, a população geral. Essa exclusão não é nova na história da cidade. No início do século XX o Museu Paraense, por exemplo, organizava visitas exclusivas para a elite local, separando-a do restante da população. Hoje, em muitas exposições, os artistas se vêem distantes do público em geral, limitado a círculos restritos que, muitas vezes, marcam suas visitas com amigos e conhecidos, sem o espaço para o debate espontâneo e a troca de ideias com outros grupos. A troca de experiências, que é um dos maiores valores da arte, acaba confinada a esses grupos.
Em um momento em que falamos tanto sobre as vozes da Amazônia, sobre a valorização das suas perspectivas e o protagonismo de seus artistas, não podemos ignorar que as próprias práticas culturais, em sua maioria, ainda excluem quem mais deveria ser incluído. A arte, longe de ser um bem acessível a todos, continua sendo um privilégio de poucos. Em vez de oferecer um espaço de reflexão democrática sobre a Amazônia e seus povos, muitos eventos reforçam barreiras que só ampliam as desigualdades. Como falar de inclusão se, em nosso próprio quintal, seguimos reproduzindo práticas excludentes.
Se a arte e a cultura devem ser um espaço de resistência e transformação, a exclusividade das vernissages não pode ser a resposta. Precisamos, mais do que nunca, garantir que as exposições e os eventos artísticos sejam realmente acessíveis, que promovam uma interação genuína entre o público e os artistas, sem barreiras impostas por códigos sociais, econômicos ou culturais. Caso contrário, os discursos sobre a democratização da arte não passarão de palavras vazias.
Bacharel em Museologia pela Universidade Federal do Pará (UFPA) e Mestre em Planejamento do Desenvolvimento pelo Programa de Desenvolvimento Sustentável do Trópico-Úmido do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos – NAEA. Atua principalmente nos seguintes temas: memória, patrimônio, museologia, comunicação, colonialidade, decolonialidade, Desenvolvimento Sustentável e violência urbana.