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“Minha avó conta que em Tomé Açú, sua cidade natal, no interior do Pará, uma vizinha se transformava em Matinta Perera. Ela era muito velha que nem os vizinhos mais antigos conseguiam dizer quantos anos ela tinha. Além disso, também era muito magra, passava o dia mascando tabaco e durante a noite vagava pela rua assobiando atrás de café e fumo. Quem não lhe desse, ficava assombrado”.

Por Kelvyn Gomes/ Foto: Capa do Livrp de Walcyr Monteiro “Visagens e Assombrações de Belém”, por João Bento

Personagem conhecido do folclore brasileiro, principalmente no Norte do país, a Matinta Perera é comumente associada a uma senhora idosa que se transforma em pássaro e vaga pela noite assobiando atrás de café e fumo, conta a lenda. Não há registros históricos precisos sobre o conto que se disseminou a partir das tradições orais. Mas especialistas sugerem que a personagem tenha origem nas narrativas de povos originários da Amazônia que difundiram-se com o processo de colonização e apropriação de suas tradições.

Os registros escritos sobre ela também não são precisos. Um dos mais importantes para a literatura brasileira é a obra do folclorista Luís da Câmara Cascudo que catalogou grande parte dessas manifestações culturais do Norte e Nordeste do país. O folclorista, em sua obra, conta que a personagem, recorrentemente confundida com o Saci Pererê, tem sua história contada de diferentes formas, refletindo a riqueza cultural brasileira.

Figura mítica, geralmente retratada como uma mulher idosa capaz de se transformar em um pássaro noturno, como as corujas, ela pode simbolizar transformação e renovação. Em outros cantos ela pode ser considerada uma protetora da natureza e dos animais, ou uma figura vingativa, conta Cascudo.

Anos antes a personagem aparecia nos escritos de José Veríssimo. Suas observações sobre as Tradições, crenças e superstições amazônicas contam que a “o Matim-Taperê é um tapuinho, de uma perna só, que não evacua, nem urina, sujeito a uma horrível velha, a quem acompanha as noites de porta em porta a pedir tabaco”. O escritor, nascido em Óbidos, no Pará, lembra que a criação da personagem pode ter sido influenciada pela ave de mesmo nome que “canta triste e monotonamente o seu assobio fino” e que até hoje “se ouvem o passarinho por horas mortas, fazendo-lhes os esconjuros cristãos: Cruz, credo! Benzem-se e dizem que é o Matintapereira”.

A história está tão enraizada no imaginário das populações amazônicas que foi parar em diversos livros infanto-juvenis. Entre eles, o clássico da literatura paraense, Visagens e Assombrações de Belém, de Walcyr Monteiro. Lançado pela primeira vez em 1985, o livro reúne algumas das principais histórias ou, para os mais céticos, lendas urbanas contadas pela tradição oral e que se passam em Belém do Pará.

Walcyr Monteiro narra a história contada por Maria e Oscarina, moradoras da Rua Nova, no bairro do Acampamento em Belém. Os vizinhos, inquietos com os assobios noturnos, prepararam uma arapuca enterrando “uma tesoura virgem, uma chave e um terço” no quintal de uma das casas. Lá pelas tantas da madrugada ouviram os rangidos de um porco, sem coragem para ir ver, esperaram o dia amanhecer e encontraram uma mulher toda enlameada presa no lugar. Levaram-na para a delegacia da Pedreira, mas “, como não é configurado como crime virar Matinta Perera, após a turba haver se desfeito, soltaram a mulher que seguiu seu rumo”.

Em Belém do Pará, desde 2004, o dia 31 de outubro, que tradicionalmente se comemora o Halloween em alguns países do Norte do globo, é destinado a comemorar o Dia da Matinta, instituído pela Lei Municipal nº 8330 de 16 de junho de 2004 que estabelece a “Semana Municipal Matinta Perera”, uma iniciativa que visa valorizar as tradições e a cultura paraense, a partir de suas lendas, visagens e assombrações.

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