Por Rafael Arcanjo | Foto de capa: Rafael Arcanjo
O mês de junho, além de ser o tradicional mês dos arraiais, das quadrilhas e dos bois-bumbá também é o Mês da Diversidade LGBTQIAP+. Por conta disso, o Portal Jambu trouxe uma edição do quadro Jambu Entrevista com Jane Patrícia Gama, coordenadora da Coordenadoria de Diversidade Sexual, da Prefeitura de Belém. Servidora pública há 26 anos e mulher lésbica, Jane ocupa o cargo-chefe da pasta desde o ano de 2021.
A Coordenadoria de Diversidade Sexual (CDS) foi criada durante o governo do ex-prefeito Zenaldo Coutinho, no ano de 2019. O propósito desta coordenação, vinculada ao Gabinete do Prefeito, é propor políticas públicas que auxiliem no combate ao preconceito social e a discriminação sofridos pela população LGBTQIAP+ em Belém. Compete também à CDS propor, realizar e monitorar políticas que promovam o respeito livre a indivíduos integrantes dessa população.
A CDS está sediada no segundo andar do Mercado Municipal de Carnes Francisco Bolonha, no Boulevard Castilhos França, bem em frente ao Ver-o-Peso, na sala de número 28 bem ao lado da Coordenadoria da Mulher. Em casos de discriminação por questões relacionadas à LGBTfobia ou à transfobia, as vítimas podem entrar em contato com a Coordenadoria para orientações e acolhimento pelo telefone: (91) 98601-9496, ou ir até o espaço físico da instituição no mercado.
“Podem nos procurar, que a gente vai fazer esse encaminhamento, essa acolhida. Temos enfermeira na nossa equipe, assistente social, advogado, então podem nos procurar porque vamos acolher super bem. Será muito bem orientado e aí toma um café, toma uma água, dialoga pois o diálogo é muito importante nessa acolhida, nesse carinho que a pessoa precisa, precisa de um abraço e, principalmente, ser escutada. Então podem nos procurar que estaremos aqui de portas e braços abertos para que essas pessoas sejam sempre acolhidas”, explica Jane Patrícia.
Durante a entrevista, a coordenadora falou um pouco das ações promovidas pela CDS em parceria com outros órgãos municipais, assim como sobre a primeira casa-modelo pública de acolhimento para a população LBGTQIAP+, que será instalada em Belém durante os próximos meses.
Confira abaixo a entrevista:
1 – Por que a existência de uma coordenadoria, como a CDS, é importante para a cidade de Belém? Você pode contar um pouco do que a CDS realiza e é responsável?
Jane Patrícia: “A CDS foi criada em 2019 pela gestão anterior, e a partir de 2021, o Prefeito Edmilson me chamou para assumir a Coordenadoria. Eu sou servidora de carreira do município há 26 anos e aí foi uma surpresa pra mim, achei muito bacana.
[…] A CDS é um espaço que funciona aqui no Mercado (Mercado Municipal de Carnes Francisco Bolonha). Quando eu assumi não tinha esse espaço físico, fomos atrás e não existia, mas agora está funcionando. A Coordenadoria tem muitos projetos, já fez muita coisa como o casamento coletivo LGBTQIAP+, a primeira cerimônia da CDS foi para 17 casais na praia de Icoaraci, em parceria sempre com o Ministério Público. Houve também o segundo, em colaboração com a Defensoria Pública e o terceiro, então três casamentos realizados com a parceria desses órgãos públicos, pois a gente sabe que é necessário assegurar os direitos do casal LGBTQIAP+. Acontece alguma coisa, alguma fatalidade e às vezes a família não quer saber dos direitos que a pessoa tem enquanto parte de um casamento homoafetivo.
Também temos o projeto “Olhar Noturno”, que foi muito importante principalmente durante a pandemia. Sabemos que uma das únicas profissões que não pararam nesse período foi a do sexo, então as mulheres trans, travestis e homens trans profissionais da noite não pararam de trabalhar, e nós levavamos insumos para essas pessoas. Preservativos, máscaras, sabonetes e hoje o projeto continua.
Outro é a iniciativa “CDS nas escolas”, onde vamos às escolas do município fazer esse diálogo de conscientização com os pais dos alunos, com a equipe pedagógica e com os próprios alunos, porque é importante a questão do respeito às pessoas LGBTQIAP+. Realizamos os projetos “CDS nas Ilhas”, em Mosqueiro, Outeiro etc, “CDS nos Bairros”, tudo isso visando promover o respeito à comunidade LGBTQIAP+, pois sabemos que é muito importante que a população conheça a Coordenadoria e se conscientize sobre o preconceito.
O ranking de violência contra LGBTQIAP+ é terrível no Brasil, eu não posso estar de mãos dadas com a minha companheira em qualquer lugar com medo de sofrer algo. Então, é importante levar a CDS nos lugares para criar esse diálogo e falar quem somos e o que queremos: respeito. Toda a forma de amor é justa, livre e necessária e esse mês é o Mês do Orgulho, mas infelizmente não é só festejar. É continuar fazendo o óbvio: campanhas contra a violência. É um sonho poder ser livre para passear com a minha companheira, com os filhos, então esse mês também é um momento de denúncia, de dizer ‘parem de nos matar! Parem de nos perseguir e deixem-nos viver!’.”
2 – Como é a relação da CDS frente aos outros órgãos da administração municipal? A Coordenadoria presta orientações a esses órgãos de alguma forma?
Jane Patrícia: “Prestamos sim, tem uma formação dos servidores de todas as secretarias que são parceiras nossas. A CDS, quando ela foi criada, não tinha verba própria, somos vinculadas ao Gabinete do Prefeito e todas as secretarias são parceiros, todas as coordenadorias são parceiras. É coletividade, então cada secretário, cada secretária tem esse olhar sensível como o prefeito tem.
Manter uma Coordenadoria não é fácil e ainda estamos nessa luta. Agora foi um momento muito importante, porque o projeto da Casa de Acolhimento já estava no PPA (Plano Plurianual) e estávamos todos os dias em diálogo com a prefeitura. Que bom que o Governo Lula assumiu e que temos uma secretária nacional como a Symmy Larrat, que é uma mulher trans, paraense de Cametá, e seguimos em diálogo constante com ela e com os assessores dela, que são incríveis. Eu disse: ‘olha, precisamos de verba, precisamos manter essa casa’, e todos os dias eu ligava para o prefeito falando sobre a casa, e a casa foi comprada. Fica aqui perto do Comércio, e vai ser algo muito importante, porque, repetindo o que eu disse quando o Ministro Sílvio Almeida veio aqui, ninguém quer morar na rua. Vivem na rua por causa de diversas situações que acabam acontecendo, mas ninguém quer morar na rua até porque sabemos que as pessoas têm um olhar diferenciado sobre quem vive em situação de rua, um olhar discriminatório, preconceito e que gera violência. É um fato importantíssimo pois é a primeira casa do Brasil, é parceria com Ministério dos Direitos Humanos, e aí veio o Ministro Sílvio junto com a Symmy fazer a assinatura do projeto e então Belém já tem um outro olhar sobre essa situação.
Essa política pública do Município de Belém vai beneficiar as pessoas que são expulsas de casa, fato que acontece principalmente durante os finais de semana. Lembro que logo que assumi a gestão, eu acolhi quatro, cinco pessoas que foram expulsas de seus lares na minha casa porque não pude deixar essas pessoas na rua. Mas agora com a casa, essas pessoas vão ser assistidas por um corpo técnico, por profissionais, e estamos em diálogo com o prefeito e com o ministro para que esse corpo técnico seja formado por pessoas LGBTs, pois só nós sabemos as nossas dores, uma pessoa que não é LGBT não vai entender, pode até ter essa sensibilidade mas não vai entender as dores de uma mulher trans, uma mulher lésbica, um homem gay etc. Tem que ser profissionais que entendam, que acolham, porque essas pessoas foram expulsas de seu seio familiar.”
3 – Quais os principais desafios enfrentados pela gestão? O que tem sido feito para ajudar e acolher a população LGBTIAP+ de Belém?
Jane Patrícia: “O principal desafio, à época que assumi, era a falta de espaço, então fomos atrás de um espaço físico. Aqui no Mercado funciona as três coordenadorias: a da mulher, a antirracista e a CDS. Foi desafiador, mas estamos seguindo e está dando muito certo. Estamos realizando as políticas públicas de fato, junto aos movimentos sociais, faz-se esse diálogo sempre, chamamos para conversar porque esses movimentos são muito importantes e tem que cobrar mesmo as políticas públicas para que elas saiam do papel.
A Casa de Acolhimento foi algo que aqueceu meu coração, porque vai ficar um legado né? Uma mulher preta, sapatão, mãe de santo, mas que tá aí na luta. Sabemos o quanto é difícil uma mulher ser reconhecida, principalmente uma mulher preta e periférica, mas que segue lutando junto aos meus assessores, porque eu não trabalho sozinha, e eles são uma equipe que faz acontecer e todos os dias eu agradeço a eles pelo trabalho.”
4 – Em relação ao mercado de trabalho, quais as dificuldades que a população LGBTQIAP+ enfrenta?
Jane Patrícia: “É muito difícil, porque a gente sabe que acontece discriminação e a gente também sabe da dificuldade em relação à escolaridade, pois a pessoa é expulsa de casa, para de estudar para começar a trabalhar. Nós estamos com o projeto “Alfabetiza Belém”, em parceria com a Semec, onde entre 15 e 20 mulheres e homens trans, trabalhadores da noite, voltaram a estudar, e contamos também com o apoio da Semob com os valores das passagens para as pessoas não deixarem de ir às aulas, um projeto muito importante que precisa ser visto. Tem o Ejai para pessoas de mais idade, cursos com Senac, no projeto “Senac Acolhe” que disponibiliza aulas de DJ, Corte e Costura, Corte de Cabelo, Design de Sobrancelha, Vitrinismo.. então essas pessoas podem participar e serem inseridas no mercado de trabalho.”
5 – Quais as iniciativas de fomento à Cultura que a coordenação promove que estejam relacionadas à promoção, garantia e defesa dos direitos das pessoas LGBTQIAP+?
Jane Patrícia: “Fazemos parceria junto com a Fumbel (Fundação Cultural do Município de Belém). Quando tem evento cultural, vamos atrás para que a pessoa que esteja inscrita junto à Fundação seja chamada. Essa questão cultural é muito importante porque temos muitos artistas na nossa comunidade LGBTQIAP+, então fazemos essa movimentação para que os nossos artistas, escritores, poetas, cantores da comunidade quando tem algum evento sejam chamados. Tem as drags também. No ano passado, aconteceu o primeiro Fórum Municipal LGBT e as pessoas da comunidade foram chamadas para participar, para cantar, e é um profissional que precisa se manter, então já recebe o cachê, que é importante.”