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Da Redação | Foto: João Urubu

Escritor paraense, Rafael Azevedo também é doutorando em estudos literários pelo Programa de Pós-Graduação em Letras da UFPA (PPGL-UFPA). O autor tem como uma de suas principais inspirações a Amazônia, local que ambienta suas narrativas ficcionais. O escritor tem dois romances publicados: “Ecos no Coração da Terra” (Kotter Editorial, 2021) e, mais recentemente, “Lágrima sobre a Pastoral” (Nauta, 2023).

Em seu primeiro romance, Rafael aborda a decadência da família Villas-Boas, uma das oligarquias da região Norte do Brasil. Em meio à ruína financeira, os membros da família têm suas feridas, nunca cicatrizadas, expostas. E agora lidam com sentimentos e emoções reprimidos trazidos à flor da pele pelo declínio do nome Villas-Boas, como a desconfiança, o desejo por liberdade, a violência, a solidão, o ciúme e a melancolia. Cada um dos sete membros da família, exteriormente destruída, foge para dentro de si e deixa fluir suas vozes interiores em monólogos poéticos e sinistros através de algum traço do passado. Saiba mais detalhes sobre o romance “Ecos no Coração da Terra” aqui.

“Lágrima sobre a Pastoral” é seu trabalho mais recente. Nele, Rafael aborda o conflito entre uma família e um intruso na propriedade agrícola chamada Pastoral. A história se desenvolve tendo esse conflito como foco. Saiba mais sobre o romance “Lágrima sobre a Pastoral” aqui

Confira a entrevista que fizemos com Rafael Azevedo, expoente autor da literatura brasileira:

Portal Jambu: O que te levou a começar a escrever? Qual foi o momento em que sentaste e decidiste: quero ser um escritor?

Rafael: O que me levou a escrever foi uma necessidade de expressar a experiência de imaginar. Estudei desenho e música, sem concluí-los. Talvez porque precisasse me dedicar mais em algo que tivesse mais a ver com minha personalidade. E comecei a fazer pequenos versos, de forma bem primitiva, surgidos apenas de sentimentos e sensações. Quando passei a escrever narrativa, pequenas frases esparsas em cadernos de anotações e diários, percebi que ali comunicava o que queria, mas de forma indireta, aliando intuição e técnica, vindas de uma consciência da língua e da linguagem. E então comecei a escrever contos. Ao mesmo tempo, lia muitos romances modernos do século XIX e XX, principalmente Virgínia Woolf, Milton Hatoum, William Faulkner, Dalcídio Jurandir e Clarice Lispector. E estudei essas obras sem intuito acadêmico. Ali, depois de iniciar um conto, descobri que realmente começava a compor uma ficção que duraria 9 anos para concluir e publicar, que é meu primeiro romance, Ecos no Coração da Terra, de 2021.

Portal Jambu: Nesse período de produção do teu primeiro livro, como foi o momento em que pensaste em publicá-lo? Tiveste muita dificuldade em encontrar uma editora que publicasse a tua história?

Rafael: Iniciei a escrita do primeiro romance em 2012 até 2021. Em 2020, entrei em contato com algumas editoras, mas não se chegou a um acordo. Então, de fato, para quem está publicando um primeiro livro e, sobretudo, é desconhecido, geralmente tem dificuldades. Comigo não foi diferente. Quando passei para a tentativa de publicação, já me sentia seguro, ou seja, o texto, para mim, não renderia mais, porque com ele fiz um trabalho de adensamento, dar peso que o tema suscita e ao mesmo tempo a leveza da poética. E em 2021 o livro foi publicado.

Portal Jambu: Nas tuas produções, trabalhas bastante o tema família, seja a trama se desenvolvendo em torno de um núcleo familiar ou o principal enfoque da narrativa se centrar em uma família, por quê? O que te levas a trabalhar essa temática na construção dos teus textos?

Rafael: O tema família não é novidade na literatura. De “As Mil e uma noites” à “Lavoura arcaica”, a literatura subverte este tema. A família, como instituição regida por normas e tradições, é um excelente lugar para compor as relações humanas e a complexidade da vida pela via da ficção. Além disso, gosto de pensar que em uma instituição exista gente assombrada ou por um ato, ou por um desejo ou por algo mais fundo que está no interior da personagem, e como isso passa ao estado de fala e interação social. Mas isso tudo me vem pela via da experimentação da linguagem sob uma estrutura de romance moderno. Penso que a polifonia, como campo narrativo, traduz melhor meu modo de narrar a família, o que de mais belo ou mais sombrio existe nela. E, como escritor contemporâneo, reatualizo muitas obras, para poder escrever com paciência e reflexão.

Portal Jambu: Tu lançaste recentemente o livro “Lágrima sobre a Pastoral”. Podes contar um pouco sobre ele? 

Rafael: O romance “Lágrima sobre a Pastoral” tem início em 2016. Foi um livro que me deu muito trabalho para encontrar saídas dentro da lógica interna da ficção. Das muitas versões, a que ficou foi a publicada. Fiquei bem satisfeito com o resultado. Quando recebi um convite do editor e escritor Marcelo Nunes, o “Lágrima” já estava bem adiantado. Apenas passei a ajustar alguns trechos e me fazer a pergunta se o texto já merecia ir ao público. Respondi sim. O “Lágrima” fala sobre membros de uma família que vivem em Pastoral, uma propriedade privada, espécie de fazenda, em uma Amazônia indefinida. Mas há um intruso entre eles e o núcleo se aprofunda no conflito entre o intruso e a família. O nome Pastoral se relaciona tanto com a lógica litúrgica quanto com as tradições literárias ocidental e oriental. Tenho a plena consciência que somos um país gerado de uma violenta colonização, por isso Pastoral, como terra, raiz, religiosidades e língua compondo e interditando as individualidades humanas que reverberam no ficcional. Angelim e Carvalho são as personagens principais, sempre relacionadas a outras personagens. A questão é que elas se confundem com a floresta, então, poderia dizer, é uma ficção de fronteira entre humano e árvore. Esse conceito é da professora e pesquisadora na Università degli Studi di Milano, Sheila Maués Autiello, que escreveu o texto de apresentação do livro, e por quem tive a felicidade de ser lido.

Portal Jambu: Para encerrar essa nossa entrevista, Rafael, quais conselhos e dicas tu darias aos escritores independentes, de primeira viagem, que buscam publicar suas produções?

Rafael: Escrever é uma forma de expressão e a língua, de certa forma, doma a imaginação. Então, pelo menos no campo da ficção, a narrativa impõe muitos desafios, como a sustentação do texto, a composição das personagens e os trabalhos com a língua e linguagem, ou, se quiser interferir em sua lógica, como fez Guimarães Rosa. Penso que as pessoas estão falando mais e escutando menos os outros. Tudo é literatura, já disse Franz Kafka. Antes de publicar, passei a escutar mais as pessoas, o tom das suas vozes, estive atento a suas expressões corporais e compenetrado na conversa que me levava a lugares tão interessantes que a língua demora para chegar. Em Belém, escutei muito o escritor Vicente Franz Cecim, ia a conferências do filósofo Benedito Nunes e converso muito com Luís Heleno Montoril del Castilo, um crítico, escritor e professor de literatura. O Brasil é o país de muitos artistas. Muitos deles invisíveis. Mas existem. Fotógrafos, pintores, poetas, romancistas, músicos, atrizes, os mais velhos… o mundo está cheio de profissionais e sonhadores. E as pessoas têm muito o que nos ensinar. A partir dessa leitura de mundo, é escrever. Depois esquecer e lembrar, sempre jogando com a paciência. O jogo do tempo é um teste de resistência. Depois, cada um compõe seus universos da maneira que achar melhor. Às vezes, o texto surge em nós com uma violência incontrolável. Isso é excelente, porque cada pessoa tem sua forma de imaginar e criar. Depois que tiver alguma certeza em sua obra, tente publicar. E publicar também é um jogo de paciência. Viver de literatura é muito difícil no Brasil. Então escrever tem relação com o prazer de imaginar. E, aos poucos, é possível construir uma carreira consistente, se assim desejar.

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