Por Rafael Arcanjo*
O Laboratório de Experimentação e Investigação em Artes, da Casa das Artes, teve mais uma edição realizada durante o mês de julho, com a participação especial do fotógrafo e artista visual Alexandre Sequeira. Os workshops promovidos pelo laboratório têm como objetivo aprofundar o entendimento das especificidades da pesquisa no campo das Artes para artistas iniciantes ou já estabelecidos, e traz diversas estratégias voltadas ao estabelecimento de métodos criativos, planejamento de projetos, como submetê-los à editais e premiações nacionais ou internacionais.
Como uma forma especial de encerrar mais um ciclo de aulas do laboratório, o Portal Jambu foi atrás do idealizador desse projeto. Márcio Lins, além de ser a mente por trás dele, é técnico da Fundação Cultural do Pará, professor de arte digital, artista e pesquisador, e foi quem ministrou os dois primeiros workshops realizados pelo laboratório. Márcio trouxe mais informações a respeito do projeto do Laboratório e também sobre método em arte, sobre a produção artística na Amazônia e sobre a Arte enquanto conhecimento e ciência
Doutorando do PPGARTES da UFPA, o artista é formado em comunicação e fez seu mestrado também pela Federal. Ele ingressou por concurso público, inicialmente, no Curro Velho, antes da fusão entre o antigo IAP (Instituto de Artes do Pará), Centur (Centro Cultural e Turístico Tancredo Neves) e o Curro Velho, que originou a FCP.
O Laboratório de Experimentação e Investigação em Artes é um projeto da Casa das Artes, lançado em maio deste ano, onde workshops voltados à área da pesquisa e da experimentação em arte são ofertados gratuitamente, trazendo discussões e ensinamentos acerca da produção artística, dos editais dessa área, do planejamento necessário para se montar uma mostra e outros itens essenciais para o dia a dia de um artista, com o objetivo de aperfeiçoar o trabalho dos artistas que participarem das oficinas.
Confira, a seguir, a entrevista:
Como surgiu o projeto do laboratório?
O Laboratório já era uma vontade que a gente tinha, de fazer ações de formação específicas para pesquisa ou investigação e experimentação em Artes primeiro pela própria natureza da Casa das Artes enquanto centro de experimentação artística. A Casa das Artes já tem um histórico de lidar com pesquisa, investigação, experimentação em Artes desde quando era IAP, e isso se manteve muito forte quando se tornou Casa das Artes através principalmente dos editais, mas pela experiência que tivemos com os editais é que percebemos que novas gerações de artistas, produtores, estudantes e pesquisadores precisavam ter certas informações de procedimentos, de dinâmicas sobre o que está acontecendo na pesquisa em arte, tanto nas instituições de cunho não acadêmico, quanto nas próprias instituições acadêmicas. Então, depois que houve a pandemia e as nossas ações virtuais se mostraram muito boas, nós vimos uma oportunidade para poder atingirmos várias pessoas, de várias localidades do estado, para elas poderem ter essa formação em relação à criação de projeto, execução de cronograma e orçamento, planejamento criativo do projeto, quais são as palavras certas, os termos certos, a abordagem correta em relação a um projeto a ser avaliado por um júri de uma premiação, ou por uma comissão de seleção de programa de pós-graduação. Então, a primeira edição, que aconteceu em abril, foi feita como um piloto especificamente para participantes dos editais dos dois últimos anos, 22 e 21, e depois aberto ao público para passarmos essas informações, muito baseado nas experiências que tivemos com outros editais que já foram executados.
Há planos para uma quarta edição da oficina? Há um desejo de ter oficinas híbridas, com encontros presenciais e virtuais?
Nós estamos tentando articular com outras coordenadorias porque queremos instrutores de outras linguagens. Por exemplo, eu sou de Artes Visuais e trabalho com arte digital, o Alexandre Sequeira é fotógrafo e artista visual também, e apesar de ser uma iniciativa da coordenadoria de audiovisual e artes visuais, queremos que tenham outras linguagens artísticas envolvidas, seja teatro, dança, música e por aí vai. Ainda estamos articulando. Não há certeza de que teremos uma quarta edição tão logo, mas estamos trabalhando para que ela aconteça. Quanto a oficinas híbridas, isso é algo ainda mais trabalhoso, pois teríamos que fazer com que houvesse equipamentos, recursos, para que as aulas presenciais fossem transmitidas para as pessoas que estão em outros municípios e outros estados, que são justamente o público que tem vindo nessas últimas edições.
Como vocês selecionam os artistas que ministram/fazem parte das programações?
Geralmente nós fazemos uma busca entre artistas, principalmente da nossa região, que tenham alguma experiência dentro da área de pesquisa ou investigação e experimentação artística. No caso comigo, eu tenho feito essa pesquisa há mais de 6 anos inclusive, o Alexandre muito mais, ele já trabalha com isso há décadas, então ele é um nome extremamente gabaritado para dar esse laboratório. E a nossa busca é basicamente encontrar pessoas que trabalham dentro de poética artística, de pesquisa, não necessariamente na área da academia, mas dentro de atuação artística mesmo. É claro: se tiver atuação acadêmica é excelente, vai complementar muito mais, mas o nosso foco quando procuramos esses instrutores geralmente é para poder conseguir com que eles deem as bases de pesquisa e experimentação artística dentro da atuação artística em si. E é uma busca constante aqui na Casa das Artes, tanto para instrutores que são credenciados ou não credenciados, nós fazemos sempre essa busca. Se a pessoa já for credenciada facilita muito, se não nós a convidamos a ser credenciada através do nosso edital de prestação de serviço e aí nós podemos começar a conversar sobre as ações dentro do projeto do laboratório.
Como o Alexandre Sequeira chegou nessa história? Há planos de trazer participações especiais de outros artistas visuais e/ou pesquisadores na área para as oficinas?
O Alexandre já é colaborador da Casa das Artes desde quando ela era IAP. É um grande artista da região, reconhecido inclusive internacionalmente, já expôs em vários países e foi natural poder convidar ele para a primeira ação. Temos planos de trazer essas participações de outros artistas, principalmente de artistas que não sejam da capital, que sejam de outros locais. Temos entrado em contato com artistas de outras regiões do estado para que eles possam dar suas visões, suas experiências em relação à pesquisa, experimentação e investigação artística.
O que o público pode esperar do resultado dessa oficina? Uma exposição na casa das artes, um vídeo, algum produto em específico?
Por enquanto o laboratório ainda não tem o resultado físico, resultado tangível ou quantificável. Ele não fica muito diferente de quaisquer outros cursos de cunho teórico, no entanto, as possibilidades, ainda são remotas, infelizmente, mas estamos trabalhando para que não sejam tão remotas, e a possibilidade de que possamos fazer cursos híbridos pode fazer com que tenhamos alguns resultados visíveis, talvez não para o público em geral, mas para as próprias pessoas que participam. Talvez tirar um projeto, conseguir um cronograma, resolver um orçamento, tirar um artigo ou algum produto que seja publicável ou utilizável para a pessoa que participa. O laboratório tem um caráter muito mais de aperfeiçoamento do participante, do que de retirar um produto em si, como qualquer curso de aperfeiçoamento, então ele é mais indireto.
Qual a importância deste projeto para os artistas e pesquisadores?
Para quem é um artista ou pesquisador experiente é mais uma oportunidade de troca com o instrutor, no caso com o Alexandre, de poder ter essa troca de experiências, poder escutar do próprio artista experiências que ele teve com outras obras. Isso provavelmente vai ser muito autorreferencial, mas artistas experientes conseguem tirar de outros artistas dinâmicas, atividades, resoluções que podem somar nas suas próprias pesquisas, nos seus próprios processos de criação.
Para artistas iniciantes, isso vai ser um mundo de conhecimento, por exemplo, um artista iniciante, como ele consegue criar um projeto para que ele possa expor fora do país? Como na Tailândia, pois o Alexandre já expôs lá. Então, como entrar em contato com as instituições? Como enviar esse projeto? Como é a articulação com esse projeto? Não digo que isso vai acontecer, mas é um exemplo do que pode acontecer. Às vezes um artista iniciante não sabe exatamente como criar esse projeto, e, antes disso, às vezes tem artistas que estão iniciando e ainda não tem muita noção do seu próprio processo de criação, de entender o seu próprio método. Às vezes alguns artistas ainda enxergam a palavra ‘método’ com um medo muito grande, pensando como se fosse algo que limita, contudo o método é algo dinâmico e é algo importante para nós podermos ter noção, enquanto artistas, do trabalho que estamos fazendo.
Todos os grandes profissionais têm método, e nós não precisamos seguir o método de outro artista, no entanto, conhecer o método de outros artistas ajuda a refinar melhor o nosso. Enfim, essa troca de experiências com certeza deve ser muito mais rica para iniciantes, porém longe de ser pobre para artistas já estabelecidos e tudo mais.
O Laboratório é de experimentação e Investigação em arte, mas como são e onde são feitos esses experimentos? Como ocorre a investigação por trás dessa área tão subjetiva?
O laboratório trata sobre métodos de experimentação e de investigação, porque não existe uma criação de experimentos dele. O que existe é uma discussão sobre esses experimentos, por isso que chamamos o Alexandre para falar como ele trabalha na hora de pesquisar sobre as imagens, sobre os temas que ele vai abordar dentro de obras, e como ele experimenta essas imagens e esses temas para a criação de obras artísticas. E por mais subjetiva que seja essa pesquisa e experimentação, o artista ele tem um método próprio dele delimitado, grandes artistas geralmente têm métodos delimitados, eles seguem padrões que são refinados com o tempo, com a própria pesquisa, com a própria experimentação artística. Então a ideia que foi feita no último laboratório, que eu ministrei, foi apresentar os mais variados métodos de pesquisa e experimentação, para servirem de exemplo para quem participou do workshop. O provável que aconteça nesse laboratório é o Alexandre mostrar os métodos que ele teve contato, tanto de pesquisa quanto de experimentação. O método na arte existe em várias figuras. Não só um artista tem um método de pesquisa e experimentação na obra, mas também, por exemplo, um crítico de arte quando vai analisar uma obra, ou uma exposição ou uma mostra, ele também tem um método de análise. Na arte crítica, é analisar dentro de um contexto. Historiadores da arte também têm seus métodos, assim como curadores, etc.
O Laboratório examina e apresenta estratégias de análise para a arte em geral, ou há um olhar mais voltado para a arte na Amazônia e regional daqui do Pará?
Tem a abordagem mais geral, evidentemente, baseado justamente em pesquisa e muito provavelmente o Alexandre deve usar esse tipo, porque enfim, é um artista super experienciado. Entretanto, também existem abordagens mais regionais. E isso é importante porque temos uma característica muito particular na hora de abordar temas, e isso é muito visível dentro dos artistas que vivenciam a Amazônia das mais diversas formas, tanto nas metrópoles amazônicas, quanto nos interiores dos estados ou dentro de comunidades específicas.
Como o fazer artístico amazônico e regional paraense se difere da produção e criação dos demais estados e regiões do Brasil?
Isso é muito mais evidente quando começamos a perceber obras que abordam as contradições de estar, por exemplo, entre uma metrópole que está dentro de uma grande floresta. Existem vários artistas que trabalham esse tipo de abordagem, onde a floresta é parte do trabalho, a imagem da floresta ou os materiais que a floresta fornece são visíveis em vários artistas. Ou então quando os conflitos entre global e local são evidentes; por exemplo, existem artistas que trabalham com as suas ascendências orientais em conflito ou atrito com as questões próprias daqui, ou quando abordam as culturas que são próprias daqui, como a ribeirinha e a quilombola da área amazônica, que também tem essa vertente muito particular, própria daqui da região.
É claro, isso também é um método, porque, por exemplo, os artistas do nordeste lidam da mesma forma com seus ambientes nas suas obras, não todos os artistas, mas parte deles trabalha com o imaginário de seus lugares, e no caso do nordeste tem o imaginário do cordel, do cangaço, e aqui nós temos o ribeirinho, o do tecnobrega, o das influências caribenhas e das influências indígenas e por aí vai. Então quando o artista vai falar sobre o seu entorno, claramente as particularidades do local em que ele se encontra também acabam visíveis, e na arte produzida na Amazônia ela se mostra presente quando abordamos temas ambientais, de conflitos de terra ou em relação a pontos geográficos específicos como o rio, a floresta, as matas, os animais e por aí vai.
Quando pegamos um grande artista que vai atuar para falar sobre a Amazônia, evidentemente ele vai ter que tangenciar por esses temas, e como um artista daqui está em contato com isso constantemente, naturalmente isso vai transparecer na obra. E aí a produção e a criação e mesmo o método de produção, criação e pesquisa precisam encontrar formas, dinâmicas próprias, como a tradição oral, o imaginário científico histórico que foi construído durante séculos sobre a Amazônia pelos colonizadores, por estrangeiros que trouxeram visões de fora ou então o olhar de dentro de certas comunidades e tudo isso vai permeando as obras dos artistas que acabam vindo para cá.
Eu vou dar um exemplo de um grande artista. O Éder Oliveira vai trabalhar nos retratos e ele faz o caráter da violência, uma “violência visual”, e quando ele começa a pintar em grandes formatos pessoas que são presas, fotografadas e publicadas em jornais, ele acaba encontrando nisso um modo de autoidentificação, que facilita muito mais a identificação do público com aquelas pessoas da imagem que estava no jornal. E depois há o conflito de ver aquela mesma imagem pintada, exposta dentro de um museu, galeria, por exemplo… E esse é um problema urbano, porém amazônico, porque quando nós vemos essas figuras, elas têm traços indígenas, negros, ribeirinhos e que acabam despertando essa reflexão.
Quais os desafios da área da arte enquanto conhecimento científico? Quais entraves existem dentro da academia a respeito da valorização dos estudos em arte enquanto saber científico sólido como todas as demais áreas?
Nesse ponto eu acho que a pergunta seria: quais os desafios da área Arte enquanto conhecimento? Porque esse é o desafio da área, e na academia, por exemplo, exige-se muito o rigor do método científico, todavia ciência é uma base de conhecimento tanto quanto a arte é uma base de conhecimento. Nós, da Casa das Artes, temos meio que um mantra entre a gente: arte é conhecimento. E é um conhecimento tão poderoso, tão valoroso e tão complexo quanto o conhecimento científico, quanto o conhecimento filosófico, quanto o conhecimento religioso e quanto o conhecimento histórico por exemplo, então, não abordamos a arte enquanto um conhecimento científico, mas enquanto conhecimento.
E é claro, abordar a arte enquanto conhecimento dentro da academia tem esses problemas de poder não ter um objeto definido, uma hipótese correta e que seja verificável, e quando a gente começa a entender que a academia acaba tentando sempre encontrar, entre aspas, a verdade, porque quem conhece o método científico sabe que a verdade neste modelo é dinâmica, assim como a natureza, a realidade e, portanto, a própria ciência e as repostas que ela dá acabam sendo dinâmicas. E isso não difere muito na arte, ela acaba se adaptando e às vezes prevendo coisas, por exemplo se tu queres uma leitura fácil sobre esse assunto, procura o artigo ‘O Argumento Frágil’, do Flávio Gonçalves, que é super pequenino e tu podes ler só metade, onde ele fala sobre esse conflito sobre pesquisa em arte na academia. Os questionamentos que ele coloca são importantes, nós começamos a pensar: hipóteses comuns na pesquisa científica são aplicáveis na arte? Se elas não são, isso torna o conhecimento artístico menos validável dentro da academia? E por aí vai.
São pontos que refletimos muito aqui, muito mesmo. Chegamos a traçar uma ou duas horas, reunidos entre os técnicos, discutindo um pouco sobre isso porque essas questões na parte da academia também são importantes nos momentos de elaboração de editais, de articularmos workshops e oficinas, de produzirmos palestras ou de fazermos mostras e por aí vai. Toda essa questão da arte enquanto conhecimento acaba perpassando todo o trabalho que fazemos, e com o laboratório não é diferente. Ele está imerso justamente nisso, e é uma forma de nós tentarmos fazer jus à nossa missão aqui, enquanto centro de experimentação artística, de tentar sempre valorizar o artista enquanto trabalhador, dando suporte a ele para refinar sua produção, de tê-la cada vez mais vista, apreciada, e para o artista ter condições de reflexão da própria obra, do próprio processo, que é o que nos interessa. Na verdade, essa fragilidade, essa colocação da arte enquanto um ponto que talvez não seja tão, entre aspas, valorizado dentro da academia, na verdade é exatamente tudo aquilo que nós buscamos. Ter toda essa subjetividade vista e revista, não necessariamente fortalecida, mas entendida, através de seus próprios processos. E ver o que se tira dentro da sensibilidade, da subjetividade, das perspectivas distintas de cada artista o conhecimento que faz da arte algo que realmente entrega para as pessoas um pensamento de liberdade, um pensamento de possibilidade e um pensamento de, enfim, sensibilidade, é algo muito importante para o conhecimento, mesmo que seja acadêmico.
O Portal Jambu é um espaço de jornalismo experimental com matérias produzidas por estudantes de graduação da Faculdade de Comunicação da UFPA sob a coordenação da Profa. Dra. Regina Lima e do jornalista Marcos Melo.
Fotos: Divulgação / Acervo pessoal de Márcio Lins.
* Sob supervisão da jornalista Giullia Moreira.