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Grupos indígenas de diferentes regiões do estado ocupam, desde o dia 14 de janeiro, a Secretaria de Estado e Educação do Pará (Seduc/PA), para reivindicar a revogação da lei 10.820 do Governo do Estado do Pará, aprovada pela Assembleia Legislativa, como parte do projeto de reestruturação público estadual. O portal Jambu preparou uma retrospectiva da mobilização.

Por Kelvyn Gomes/Imagem: Daniel Vinagre

As mobilizações

Os impactos da nova lei considerados por representantes de 14 povos indígenas levou a uma mobilização que trouxe até a capital cerca de 200 pessoas entre lideranças e caciques, vindos, sobretudo, da região do Baixo Amazonas. Segundo Purangara Poró Borari, a vinda para Belém foi uma tentativa de que “a gente consiga que seja ouvido e a regulamentação dessa modalidade de ensino (SOME e SOMEI) para toda a região do estado do Pará”.

Na manhã do dia 14 de janeiro, em marcha e entoando cânticos tradicionais, o grupo ocupou a sede da Seduc, localizada na Avenida Augusto Montenegro, que havia sido esvaziada. Apenas grupamentos da PM encontravam-se no prédio. Pelas mídias sociais, o grupo informava que “Em mais um ato que não somos atendidos pelos funcionários da SEDUC, tivemos que usar a força dos encantados para podermos entrar em um espaço que também é nosso”, em referência a entrada no prédio que estava com os portões fechados.

““Hoje celebramos um marco histórico: a chegada dos povos indígenas à Secretaria de Educação do Estado do Pará, em Belém. Um passo importante na construção de uma educação que respeita e valoriza a diversidade cultural, promovendo o diálogo e fortalecendo as vozes originárias. Juntos, seguimos na luta por direitos e por uma sociedade mais justa e inclusiva!”, Cristian Arapiuns via mídias sociais.

A ocupação ganhou as mídias sociais de grupos apoiadores da ocupação e os jornais da região. Críticos afirmam que a grande mídia deu vez e voz a representantes do governo, mas deu poucos esclarecimentos em relação à mobilização.

Logo nos primeiros momentos da ocupação, surgiram denúncias de que policiais militares haviam lançado spray de pimenta nos banheiros do prédio e que o grupo estava sendo impedido de entrar, sair, ou receber apoio externo, como mantimentos, água, materiais de higiene e etc.

Também nos primeiros dias, informações falsas sobre a depredação do prédio passaram a circular nas mídias sociais, obrigando os manifestantes a se pronunciarem sobre o caso. Em vídeo publicado nos perfis do “Conselho Indígena Tapajós e Arapiuns” (citabt), representa sociopoliticamente de 14 povos do Baixo Tapajós, da Federação dos Povos Indígenas do Estado do Pará (Fepipa) e de Jander Arapiun, o líder Purangara desmentia, em vídeo, a informação falsa disseminada nas redes.

Sem o recua do governo do Pará o quilômetro 922 da BR 163, em Belterra também foi bloqueado em apoio a manifestação que acontecia em Belém. Logo em seguida, o quilômetro 83 da mesma estrada foi bloqueado. Somando-se a luta indígena, o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Estado do Pará (Sinttep) deflagra greve após assembleia realizado no sindicato dos bancários, no bairro do Reduto em Belém.

Logo outros grupos e lideranças não indígenas se juntaram à mobilização, principalmente comunicadores populares, artistas e professores que, mobilizados em seus perfis passaram a construir uma comunicação coletiva na tentativa de cobrir o dia a dia da ocupação. A fotógrafa paraense Nay Jinknns, denunciou ataques sofridos nas mídias, apontando o governo do Pará como responsável pelos ataques, usando, inclusive, chatbots para tentar desmobilizar a comunicação e a ação dos manifestantes.

Com o alto fluxo de informações, o grupo convocou a imprensa para uma coletiva de imprensa no prédio da secretaria onde ocorre a ocupação, com a finalidade de prestar “esclarecimentos sobre o objetivo da ocupação”, dizia a nota. Em meio a desinformação, Alessandra Korap, liderança do povo Munduruku do Médio Tapajós, também em vídeo, falou sobre as condições do prédio ocupado. “O povo acha que aqui tá tudo quebrado. Não tá quebrado! O povo aqui tá tudo dormindo no chão, na rede, colchão. O povo nem come aqui nessa mesa, justamente qualquer coisinha desmonta os bichinhos aqui (mesas), qualquer coisinha aqui molhado desmonta”, informou Alessandra.

Os manifestantes colocaram em pauta a revogação da lei e exoneração de Rossieli do cargo. Nenhum acordo foi fechado. Segundo Auricélia Arapiun, a secretária de estado de povos indígenas, Puyr Tembé, acompanhava a ocupação, mas não estaria em negociação com o coletivo, mas apenas em contato com lideranças individualmente. “Um dos papéis dela era articular, intermediar a situação. Só ontem que a secretária ficou aqui conosco, né? Tentou esse diálogo, mas nos dias anteriores isso não aconteceu. No decorrer do dia recebemos ela e a professora Vera que é coordenadora de educação escolar indígena aqui do estado, né? Fizeram essa intermediação com o secretário; o secretário disse que nos receberia no auditório, mas o secretário não quis descer para o auditório então nós descemos pra uma sala minúscula que não coube todas as lideranças indígenas, então nós decidimos não reunir naquele momento”, explicou Auricélia.

Mas, a primeira resposta veio apenas 7 dias depois, quando o secretário de educação, Rossieli Soares, recebeu lideranças para reunião que pretendia pôr fim à ocupação. A reunião, marcada pelas exigências de exoneração de Rossieli, revogação da lei 10.820 e denúncias das condições da educação indígena no Pará acabou sem acordo. A exigência então, voltava a ser negociar diretamente com o governador Helder Barbalho que se encontrava no Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça. Logo após a reunião, os portões da Seduc foram abertos para que os apoiadores pudessem acessar o prédio.

A mobilização seguia unificando as pautas e sua manutenção estava ligada também a expressões e manifestações da cultura indígena dos diferentes povos que encontravam ali. Os “parentes”, como se tratam os oriundos das comunidades indígenas, demarcaram aquele território com rituais tradicionais, entoando cantos sagrados, danças e rezas, pedindo proteção e fortalecimento para enfrentar mais um dia de luta. No dia 18 de janeiro as lideranças indígenas passaram a também convocar a sociedade civil a participar da mobilização em prol da educação paraense.

Após uma semana de ocupação e nenhum sinal de recuo de nenhuma das partes, novos grupos chegaram a Belém para a ocupação da Seduc. Eram grupos da Região Oeste do Pará, de Santarém e Oirximiná. Após a primeira semana de ocupação e chegada de novos manifestantes, a Secretária de Educação e Procuradoria Geral do Estado entraram com pedido de reintegração de posse para o prédio da Seduc. O que chamou atenção, foi a data em que a ação foi empreitada, 20 de janeiro, dia da Consciência Indígena, em alusão a morte do cacique Aimberê, líder da Confederação dos Tamoios. Mas o Ministério Público Federal “entendeu não ser possível analisar a questão”.

Além de lutar em prol da educação indígena, os povos tradicionais, durante a ocupação, precisaram vencer a desinformação. As informações falsas continuaram ao longo dos dias e logo seu protagonismo foi desqualificado. Os grupos indígenas foram colocados como massa de manobra de “militantes” de partidos de esquerda. A resposta foi objetiva.

“Consideramos uma enorme ofensa a acusação de que o Movimento indígena, que hoje se faz determinante por uma educação digna no estado do Pará, seja coordenado ou influenciado por alguém. Esta leitura etnocentrica, racista, preconceituosa, representa bem o que o @governopara e os que repercutem isto, têm enquanto postura com os povos originários e as populações tradicionais. O movimento é composto, hoje, de vários segmentos. Movimentos sociais organizados como quilombolas, ribeirinhos, mulheres, meio ambiente, além dos profissionais da educação. E isso não desqualifica, ao contrário, demonstra o quão são legítimas as reivindicações, o quanto florescem por serem justas. Livres de qualquer peso que nos condene à desonestidade, à covardia, ao egoísmo, ao individualismo, seguiremos lutando por dignidade. Seguiremos lutando por uma educação de qualidade no estado do Pará”, dizia a publicação coletiva.

No dia 21 de janeiro o governo do Pará retomava as negociações, mas sob acusação de que o grupo com o qual negociava não representava coletivamente os manifestantes que atuavam diretamente na ocupação. Em entrevista a emissoras de rádio e televisão e nos canais oficiais do governo do estado, Helder Barbalho afirmava que “As demandas foram atendidas integralmente, mas o grupo de manifestantes, estranhamente, não concordou em encerrar a ocupação. Dos oito representantes indígenas do estado, sete aceitaram o acordo e se comprometeram publicamente. Apenas um grupo se recusou a participar da reunião e não aceitou o que foi proposto”, afirmou o governador em coletiva.

No dia seguinte, vídeos publicados por lideranças do movimento denunciavam ataques a manifestação. quatro homens em motocicletas pararam em frente a Seduc e arrancaram as faixas fixadas no gradil do prédio, a polícia investiga o caso, mas até agora ninguém foi preso ou identificado.

No dia 23, às comunidades indígenas, cerca de 1.000 pessoas segundo informações dos próprios manifestantes, que ocupam a SEDUC foram notificados por um oficial de Justiça e agentes da Polícia Federal, sobre a determinação judicial para desocupar as áreas internas da secretaria. Uma forma, segundo os manifestantes, de criminalizar a mobilização que já durava quase 10 dias. No mesmo dia o povo Munduruku se somava à mobilização.

Ainda sem retorno do governo estadual, o grupo passou a exigir a presença da Ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara. A primeira reunião, que ocorreu de forma não presencial, o que dificultou o diálogo por conta da instabilidade da internet na cidade, foi marcada por disfonias e uma nova exigência: a presença da ministra na ocupação para um diálogo presencial. Os problemas de comunicação que marcaram a reunião on-line com Sônia Guajajara foram apontados como uma marca da dificuldade de comunicação em uma região como a Amazônia, com dificuldade de acesso e conexão de internet, por exemplo. As cobranças sobre Sonia Guajajara seguiram firmes. O ponto central era a identidade indígena de Sônia e a expectativa de apoio irrefutável da ministra às exigências dos povos que compunham a ocupação.

Antes da chegada de Guajajara, novos grupos se somaram à resistência em favor da revogação da lei e do diálogo, como foi o caso dos Tembé, no dia 25 de janeiro. A ministra só chegaria a Belém dias depois. Recebida de acordo com a tradição indígena e longe dos protocolos oficiais de ministros de estado,Sônia Guajajara, representando o Governo Federal, reafirmaram a posição do movimento: revogação da lei 10.820 e pela exoneração de Rossieli.

Apenas após duas semanas de mobilização, no dia 28 de janeiro, o Governador Helder Barbalho resolveu se reunir pessoalmente com os grupos que mantêm a ocupação. A sede da Casa Civil e Palácio do Governo foi cercada pela PM e a chegada dos representantes indígenas foi marcada por fortes chuvas. Uma das exigências do governo era a proibição da entrada de aparelhos celulares, ao que tudo indica, uma tentativa de evitar a disseminação de informações não oficiais e conflitos de narrativas que desfavorecem o governo do estado. Sem avanços, não houve acordo e a ocupação da Seduc continuava.

Nesse mesmo tempo a mobilização ganhou apoio nacional e internacional. Artistas e políticos como Guilherme Boulos  Itziar Ituño declararam apoio a mobilização angariando ainda mais visibilidade à questão indígena. Em entrevista a uma emissora de tv local, Helder Barbalho garantia, novamente, que as demandas seriam atendidas, no entanto, lideranças comentaram a entrevista argumentando que as falas do governador eram equivocadas e deslegitimavam a mobilização criando uma imagem negativa sobre a manifestação e seus representantes.

No dia 30 de janeiro, Luzia Nadja Guimarães Nascimento, desembargadora do estado do Pará, reconheceu e declarou nesta quinta-feira, 30, a ilegalidade do movimento grevista deflagrado pelo Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Estado do Pará – Sintepp. Em nota, o sindicato afirma que “ainda não foi oficialmente notificado. Estamos neste momento reunindo nossa coordenação, juntamente com a assessoria jurídica para darmos melhores informações. Esse ataque à nossa luta já era esperado, considerando o autoritarismo de Helder, e a subserviência do Poder Judicial. Nossa orientação é que todas as atividades estão mantidas e vamos enfrentar essa decisão”.

No décimo nono dia de ocupação, os indígenas receberam uma comissão estadual a fim de inspecionar o prédio e solicitar a desocupação de alguns espaços sob a justificativa de que os funcionários da secretaria deveriam voltar às suas atividades presenciais. No entanto, as lideranças indígenas informaram desde o início da ocupação que os espaços de trabalho poderiam ser ocupados pelos trabalhadores da Seduc sem prejuízo às suas atividades ou mesmo a ocupação do prédio. Eles esclarecem que a ocupação não visa a interrupção das atividades da secretaria.

Em publicação do Citabt, os manifestantes informam que “Na manhã de hoje, 31, recebemos a visita da juíza federal Maria Carolina Valente do Carmo, que esteve no prédio da Seduc, para fazer inspeção judicial e ver as condições que se encontra o prédio. Aproveitamos para mostrar às autoridades judiciárias que, ao contrário do que afirma o governador Helder Barbalho, o prédio da Seduc não está sendo depredado e temos mantido o zelo e o cuidado com o patrimônio público. Também mostramos que nenhum servidor está sendo impedido de trabalhar e que nossa ocupação é um espaço de mobilização democrático em defesa da educação pública do Estado”.

Ontem, 01 de fevereiro, o governador do Pará, Helder Barbalho, anunciou a suspensão dos efeitos da Lei 10.820 como forma de se blindar das pressões sofridas nos últimos 20 dias de ocupação da sede da Secretaria de Educação do estado. No entanto, essa não é a exigência dos manifestantes que seguem ocupando o prédio da secretaria estadual. Para eles, apenas a revogação da Lei, exoneração do secretário de educação e a criação dialógica de um conselho estadual de educação indígena resolverá a questão.

Um projeto de governo

Desde que o Governo do Estado do Pará enviou o projeto de reestruturação da administração a Assembleia Legislativa do Pará (Alepa) em dezembro do ano passado, inúmeras mobilizações começaram a acontecer contra as propostas de alteração e até mesmo extinção de determinadas instituições como a Fundação Cultural do Pará (FCP), que seria absorvida pela Secretaria de Cultura do estado (Secult), hoje sob a administração de Ursula Vidal, e a Fundação Paraense de Radiodifusão (Funtelpa), absorvida pela Secretaria de Estado de Comunicação (Secom), gerenciada por Vera Oliveira.

A medida não foi bem recebida tanto pelos funcionários das autarquias quanto pela sociedade civil que alegavam perdas de autonomia e prejuízos aos diferentes setores culturais e da autonomia e liberdade dessas áreas. As manifestações contrárias e duras críticas ao governador Helder Barbalho, ganharam visibilidade tamanha que obrigou o governador a recuar da proposta.

A Lei 10.820

Parte do projeto de reestruturação do governo alterava substancialmente a educação pública no Pará. A lei 10.820/2024 unifica as leis do magistério e altera os planos de carreira dos professores. De acordo com nota do Sindicato das Trabalhadoras e Trabalhadores em Educação Pública do Pará, o Sintepp, manifestando-se contra a ação do governo, a proposta foi formulada de forma unilateral, precariza o trabalho docente com a diminuição das gratificações e aumento das cargas horárias de trabalho.

No caso do Sistema Modular de Educação Indígena (Somei), parte do Sistema Modular de Educação (Some), além da precarização do trabalho, haveria a previsão de adoção da Educação a Distância (EAD) o que, segundo os especialistas, colocaria em risco a qualidade do ensino-aprendizagem dos alunos, já bastante afetado pelas atuais condições estruturais das escolas que compõem o sistema.

Mesmo com manifestações contrárias às propostas do governo, a Alepa aprovou por maioria a proposta do governo do estado. Apenas 10, dos 41 deputados votaram contra o “PL do magistério”. A aprovação do projeto do governo estadual explicita a ampla maioria e a base fortalecida do governador na casa que hoje conta com 13 deputados do mesmo partido, incluindo o atual prefeito de Belém, Igor Normando, que retornou ao cargo de deputado apenas para votar a favor do Governo.

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